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04 abr 2018

Aprenda a descrever para emocionar

A capacidade de descrever é tão importante na comunicação que Pascal chegou a dizer que “eloqüência é a pintura do pensamento”. Ou seja, segundo o grande pensador, é eloqüente aquele que com as palavras consegue pintar o quadro que está em sua mente.

Os grandes oradores, de maneira geral, possuem extraordinária habilidade para descrever cenas reais ou imaginárias. É assim que envolvem ou persuadem os ouvintes.

Waldir Troncoso Peres, um dos mais extraordinários oradores da história do Direito do país, quando compareceu à conclusão de um dos nossos cursos de expressão verbal, falou sobre a importância dessa habilidade na comunicação.

Ele comentou que o poder de descrição usado pelo famoso advogado criminalista italiano Enrico Ferri era tão eloqüente que quando descrevia uma locomotiva atropelando uma criança, os ouvintes se levantavam com a impressão de que a máquina estava atravessando o plenário.

O próprio Troncoso Peres sempre foi um orador eloqüente também pela habilidade com que descrevia cenas ou as criava na imaginação do público. Ao falar da sua paixão pela advocacia, descreveu o fato com tanta expressividade que deu a impressão de que era perseguido, agarrado e quase sufocado por sua atividade:

– Porque quando eu estava cansado da advocacia, e eu ia descansar, só me retemperava na advocacia. Num processo de obstinação patológica. Porque eu sempre a amei, porque ela vive dentro de mim, porque ela está incorporada a mim. Porque ela é minha companheira, porque ela não se descarta de mim, porque ela não me é infiel, porque ela não me dá trégua, porque ela me persegue. E apesar de tudo isso eu a amo.

Procure ler esse discurso falando rápido, como se estivesse querendo fugir de uma perseguição. Assim compreenderá e sentirá melhor a competência da descrição do orador.

Outro comunicador excepcional, que soube como ninguém usar a capacidade para descrever foi o saudoso Fiori Gigliotti. Era um verdadeiro artista da palavra. A maneira como descrevia as jogadas transportava o ouvinte para dentro do campo de futebol.

Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo, torcida brasileira. Era assim que Fiori avisava ao torcedor que o jogo havia terminado.  Essa e outras frases marcaram sua longa trajetória narrando jogos de futebol.

Ele sabia como poucos descrever e criar cenas que mexiam com a emoção dos ouvintes. Transformava jogos sem muitos atrativos em espetáculos inesquecíveis.

Um de seus méritos era narrar o jogo exatamente como ele ocorria, só que da maneira como o torcedor gostaria de ouvir. Fazia com que as pessoas se sentissem dentro do estádio, acompanhando lance por lance cada momento da partida. O início já era uma emoção com mais uma de suas famosas frases: ‘Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo, torcida brasileira’.

Nós interioranos sempre tivemos muito orgulho em ver um jogador que havia pertencido ao nosso time atuando numa grande equipe. Por isso, mexia com esse sentimento ao dizer: Balão subindo, balão descendo, cabeça na bola aliviando. Pelé tenta passar e não passa, a bola fica com Dudu, o moooço de Araraquara.

O encerramento do jogo era mais emocionante ainda, pois o torcedor da equipe que estava vencendo ansiava por aquele momento, enquanto o do time perdedor rezava para que o jogo continuasse, mas, como ele mesmo dizia ‘agora não adianta chorar’ e encerrava ‘apita o árbitro, fecham-se as cortinas e termina o espetáculo, torcida brasileira’. Que saudade do Fiori Gigliotti!

Em certas circunstâncias a descrição deve servir apenas para tornar clara determinada informação e ajudar o ouvinte a acompanhar com mais facilidade o desenvolvimento do raciocínio. Em outros momentos ela deve criar imagens na mente do ouvinte para sensibilizá-lo e envolvê-lo com a proposta da mensagem.

Veja a diferença de dois discursos políticos que falam do mesmo tema. Na hipótese A, embora a mensagem seja verdadeira, dificilmente conseguiria persuadir os eleitores. Na hipótese B, ao usar o recurso da descrição, as chances de conquistar votos são maiores:

A – Se eleito, prometo asfaltar e iluminar as ruas deste bairro.

B – Vocês têm sofrido muito por causa da falta de asfalto e de iluminação. Quando chove as ruas viram um verdadeiro inferno. Vocês são obrigados a caminhar na lama, sujar os sapatos e a roupa.

Quando faz sol a situação pode ser ainda pior. É só bater o vento e a poeira vai para dentro de casa sujando a roupa que está no varal, as cortinas, os lençóis da cama.

A falta de iluminação se transformou em motivo de desespero. Quem consegue dormir sossegado enquanto os filhos não chegam do trabalho ou da escola? Quantos já foram assaltados e, infelizmente, até estuprados porque são obrigados a caminhar sozinhos, sem proteção à noite pelas ruas escuras.

Nós podemos mudar essa situação. Basta que me elejam como seu representante na Câmara Municipal. Em outubro votem em mim para vereador.

A descrição mais detalhada dos fatos pode fazer com que os ouvintes percebam de forma mais clara os problemas que estão enfrentando e se sintam motivados a ter ao seu lado alguém interessado em solucioná-los.
Embora o exemplo tenha sido da fala do político, o recurso da descrição pode ser utilizado em todas as situações.

O risco de quem começa a descrever os detalhes da mensagem com o objetivo de esclarecer ou persuadir os ouvintes é o de cair no outro extremo e se tornar prolixo. Lembre-se de que a cada dia mais as pessoas estão ocupadas, atarefadas e, por isso, exigem apresentações objetivas e diretas.

Essa é uma qualidade que exige muita prática, observação e bom senso. Foi assim que sempre atuou Troncoso Peres nos cinqüenta anos em que freqüentou o tribunal do júri.

Foi assim que agiu Fiori Gigliotti também nos cinqüenta e tantos anos em que esteve à frente dos microfones criando e descrevendo quadros que em muitas ocasiões existiram apenas na imaginação dele.

Fiori partiu há dois anos. Nunca mais vou ouvir aquela voz que me acompanhou durante toda a vida. Ele esteve presente em uma época em que a televisão era privilégio de poucos e podíamos apenas contar com a magia do rádio.

Parece que estou ouvindo sua frase de despedida: ‘fecham-se as cortinas e termina o espetáculo, torcida brasileira’. Que pena!

 

Superdicas da semana:

– Aprenda a descrever cenas para que os ouvintes possam vê-las em pensamento.

– Fale como se precisasse entender com as limitações do ouvinte.

– Treine sua capacidade de descrever nas conversas do dia a dia.

– Tome cuidado para não se tornar um orador prolixo.

 

Livros de minha autoria sobre esse tema; “Como falar corretamente e sem inibições” e “Superdicas para falar bem” (também em audiolivro), publicados pela Editora Saraiva.

 

Nas duas próximas semanas vou ministrar palestras gratuitas sobre a arte de falar em público para apresentar meu novo curso. Inscreva-se no site que está no final deste texto.

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