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29 mar 2024

Assim é que se joga

por Reinaldo Polito

Com certeza você já se preocupou com a sua preparação profissional para os novos tempos.
Melhorou a segunda língua e já está desenvolvendo ou planejando o aprendizado de uma terceira; concluiu, incrementou ou estabeleceu como prioridade a pós-graduação; começou a desvendar os segredos de outras áreas, que possuem pelo menos uma remota ligação com a sua; e tantos outros cuidados para enfrentar os desafios que a cada dia se intensificam.

Pois bem, agora você terá uma nova tarefa para se projetar e vencer na sua atividade – a partir de hoje começará a ouvir as entrevistas dos jogadores de futebol, para aprender com eles como evitar os graves erros de comunicação geralmente cometidos.

Não ria – eu estou falando sério. Você deve estar pensando, esse pirou!
Que história é essa de aprender a falar com os jogadores de futebol?!
Eles não sabem falar, cometem erros grosseiros de gramática, escorregam na concordância, conjugam verbo como se estivessem chutando de bico, fazem aleluia de pronome jogando-o no meio das frases e onde cair está bom, pronunciam as palavras de maneira defeituosa, enfim são péssimos exemplos de comunicadores. Certo?
Errado!

A maioria apresenta mesmo todas essas incorreções e muitas outras que poderíamos enumerar, mas possuem quase sempre uma habilidade, uma diplomacia e um jogo de cintura, que normalmente não encontramos nos profissionais que atuam em outras atividades, nem mesmo na política que deveria ser o grande exemplo dessa comunicação inteligente.

Você viu recentemente o que aconteceu com o Clovis Carvalho:
Pessoa bem preparada, há anos participando do primeiríssimo escalão do governo, acostumado ao debate permanente do jogo do poder e foi demitido do cargo de ministro porque cometeu deslizes primários de comunicação, que não teriam sido cometidos pelo maior “cabeça-de-bagre”das canchas brasileiras. Dificilmente um jogador de futebol, com sua “larga experiência” dos 20 ou 22 anos de idade, teria sido tão ingênuo na sua maneira de falar e atravessado o samba criticando um colega de ministério identificado com a imagem e ações do Presidente, que tem o poder de usar a caneta para mantê-lo ou tira-lo do cargo.
Pois é, falou o que não devia, da maneira mais inadequada possível e foi para o chuveiro. Perdeu um belíssimo emprego… numa época de tantos desempregos.

Aplaudo de pé quando vejo um jogador responder às perguntas provocativas dos repórteres esportivos.
Parece que passaram por um longo e rígido programa de treinamento no Itamarati, aprendendo como se comportar nessas ocasiões. Por mais quadrada que venha a pergunta eles não matam de canela, quase sempre respondem com a bola no chão.

Se, por exemplo, o repórter pergunta, em tom afirmativo:
— Você estava atuando como titular e jogando muito bem até o mês passado, quando o técnico o sacou do time. Essa injustiça o deixou muito revoltado, não?

É lógico que ele está louco da vida e com vontade de jogar o Ceasa na cabeça do treinador, mas sua resposta é inteligente e impregnada de sutilezas diplomáticas:
— Faço parte de um grupo de 22 jogadores em condições de pertencer a qualquer grande clube. Estar nessa equipe é o sonho da maioria dos atletas profissionais. E todos nós, jogando ou não, torcemos sempre para que o time conquiste os melhores resultados, porque assim todos ganhamos.
O professor (geralmente é assim que se referem ao técnico) tem um esquema tático muito bem montado, que varia de acordo com as características do adversário, e ora precisa da participação de um jogador, ora de outro. O importante é estarmos prontos para estar bem quando ele precisar. Ouça as entrevistas e confirme o que estou dizendo.

De onde vem essa habilidade de falar?
Talvez pela necessidade de sobrevivência mais acentuada do jogador, que atua numa atividade tão arriscada, repleta de armadilhas, em que nada é definitivo e só se tem uma certeza – que terá duração curta, pois com 32 anos já é um veterano.
Talvez pelo treinamento constante do jogador, que precisa tomar decisões das jogadas numa fração de segundo, que o prepara para analisar rapidamente as conseqüências de uma resposta indevida.
A verdade é que eles são bons nessa história de falar e dar respostas às perguntas difíceis.
Essa habilidade de falar com diplomacia e inteligência é cada vez mais importante no relacionamento profissional.

Você já deve ter notado que as empresas vivem uma época de incertezas, constantes e rápidas mudanças e exigências de novas habilidades e conhecimentos dos, agora multifuncionais, executivos, e que por isso a comunicação é cada vez mais delicada e precisa ser ainda mais eficiente.

Numa reunião, quando um profissional tem suas idéias contrariadas, geralmente encara o ataque como sendo uma ofensa pessoal.
As incertezas produzidas pelas mudanças afloram seu instinto de sobrevivência e pela necessidade de manter a posição, aliada, em casos mais graves, mas não tão incomuns, à insegurança motivada pela possibilidade da perda do emprego, fazem com que reaja de maneira emocional, sem considerar o peso dos argumentos da nova proposta contrária.
Esquece a bola e bate da medalhinha para cima. Nesse clima não tem razão que se sustente. Vira briga de arquibancada.

Para que as suas propostas sejam vencedoras é preciso aprender a afastar a defesa emocional do colega de profissão, para que pelo menos ele fique disposto a ouvir suas ponderações.
Aqui deve entrar a “sabedoria futebolística” para evitar confrontos, neutralizar a emoção e fazer com que o defensor da idéia não o veja como um adversário.

Vejamos como passar de um quatro, quatro, dois, para um quatro, dois quatro:

Cite um exemplo próprio
Se no passado pensou ou agiu da mesma maneira como age o defensor da idéia, revele esse fato a ele e diga também como foi difícil mudar de opinião. Assim, terá mais autoridade sobre o tema e essa demonstração de solidariedade com o companheiro aumentará suas chances de fazer com que ele ouça sua proposta.

Concorde com alguns pontos
Para desarmar o defensor da idéia e fazer com que ele fique interessado em ouvir sua opinião, no início concorde com certos pontos da proposta e demonstre o desejo de acrescentar apenas alguns dados à linha de pensamento.
Tome cuidado ao usar esse recurso e procure ser sincero ao concordar. Dê sustentação às suas palavras com bons argumentos. Dizer que concorda com esse e esse ponto, mas… Não adianta nada, ao contrário, só piora a situação e aumenta a resistência, porque ele perceberá que você só está concordando para depois discordar.

Tome a defesa contra um adversário comum
Se o defensor da idéia possuir um adversário e você puder tomar sua defesa contra ele, demonstre essa identidade atacando o “inimigo” comum, antes de dar sua opinião contrária à proposta.
Diga por exemplo, que as criticas ao companheiro partiram de pessoas não familiarizadas com seu trabalho e que não acompanharam todo o processo de pesquisa para a elaboração do novo projeto.
E como você conhece bem a seriedade e a competência do profissional que põe o bem-estar da empresa acima de qualquer prioridade, poderá dizer que se sente à vontade para sugerir alguns pontos que talvez ajudem no novo projeto. A partir daí poderá discordar.

Assim, estará agindo como os jogadores de futebol quando precisam discordar nas suas entrevistas. E se no final, com todo esse cuidado, ainda não tiver atingido seus objetivos, poderá dizer com a consciência tranqüila, como eles diriam ao final da partida: “Dei tudo de si, graças a Deus”.

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