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29 mar 2024

Chega de conversas envenenadas

por Reinaldo Polito

Cuidado!
Sem que você perceba, o café da manhã, o almoço, ou as conversas sociais do seu dia-a-dia talvez estejam sendo envenenados por assuntos desagradáveis que poderiam muito bem ser evitados. Ainda não são 7 horas da manhã. Os neurônios preguiçosos estão tentando se adaptar aos primeiros momentos do pós-despertar. A cabeça, como se tateasse as páginas de uma agenda, procura descobrir o que irá ocorrer de importante ao longo do dia. É nesse clima, em que as engrenagens mentais vão se ajeitando, que surge o primeiro gole de café… acompanhado da primeira gota de cicuta. E não poderia haver veneno pior para começar o dia. A mãe, a avó, a tia, a empregada ou o nono aposentado comenta animadamente a última e mais sangrenta chacina da cidade: “Os caras chegaram encapuzados, meteram o pé na porta e foram atirando em tudo o que encontraram pela frente. Os primeiros a ganhar passaporte para o céu foram as crianças. As balas da AR 15 cortaram o pescoço e mandaram o corpo para um lado e a cabeça para o outro. Uma velhinha com quase 90 anos, surda, muda e com dificuldade até para se mexer na cama foi espancada mesmo depois de ter parado de respirar”.

Bem, eu poderia continuar com essa história de horror por um bom tempo, contando como cada um dos dez moradores daquele casebre foram barbaramente assassinados.
Essa história que acabo de inventar não se distancia das inúmeras ocorrências policiais que parte da imprensa habitualmente noticia e que infelizmente acabam integrando um repertório comum de assuntos comentados, analisados e detalhados com fidelidade crua todos os dias, contaminando e envenenando o humor das pessoas. Cada membro da família vai cuidar de suas atividades pesado, aborrecido e até meio deprimido, sem saber bem qual o motivo de estar com aquele sentimento negativo. Fazem um retrospecto do que ocorreu e constatam que não discutiram com ninguém, não possuem problemas que não possam ser solucionados, enfim, não há mesmo nenhuma razão para estarem com aquele peso na cabeça logo pela manhã. Como se habituaram a ouvir aquela conversa baixo-astral, nem se dão conta de que a causa talvez esteja naquele veneninho nosso de cada dia.
Lógico que uma história de sangue aqui, outra ali não vai desgraçar a vida de ninguém. Ao contrário, até pode ajudar a colorir e dar mais vida a alguns dias cinzentos. Agora, história de matança logo pela manhã todo santo dia, não há espírito que resista.

Tenho um amigo de longos anos que baixou decreto na sua casa – ninguém mais iria começar o dia falando sobre as desgraceiras que ouviam pelo rádio ou liam nos jornais. Disse que a situação chegou num estágio tão incontrolável que sua irmã e sua mãe disputavam o privilégio de quem começaria a relatar a página policial primeiro e conseguiria interpretar melhor as cenas dos crimes. Antes de tomar café, enquanto fazia a barba, já ouvia, pelo volume elevado do rádio, um apresentador vociferando com o apoio de uma música sinistra que ampliava ainda mais a cena da tragédia. Ao entrar na sala de jantar, onde costumava tomar café com os familiares, invariavelmente, avistava o jornal aberto na página policial. E assim que se sentava lá vinham as duas destilando sangue. Revelou que depois da conversa que teve com elas, explicando como aqueles comentários sobre as notícias policiais em nada contribuíam para que tivessem um dia agradável, houve uma mudança tão grande no comportamento e no humor da família que hoje todos riem quando se lembram da maneira irrefletida como agiam. E quando um deles tem uma recaída recebe o olhar de reprovação da família, puxa o freio de mão e imediatamente muda de assunto.

Analise como tem sido a conversa dos seus familiares no café da manhã e verifique se não estão transformando esses primeiros momentos do dia, que poderiam ser estimulantes, num repertório de crimes, mortes e chacinas. Se perceber que o sangue também está rondando seu café da manhã, com calma e muito jeito comece a explicar como aquela conversa pesada poderá se transformar num veneno para o bem-estar de todos. Lembre-se, entretanto, de observar se fizeram desses assuntos um costume permanente e se as cores estão mesmo bem carregadas, pois, conforme acabei de dizer, um comentário ou outro sobre as notícias policiais no meio da conversa é normal e se transforma naturalmente em mais um assunto que as famílias costumam discutir no dia-a-dia. O que precisa ser evitada é essa obsessão paranóica de imaginar que tudo o que ocorre na cidade se resume a seqüestros, roubos e chacinas.

Almoço enfezado
Antes da primeira garfada, aquele que está bem a sua frente dá uma recostada na cadeira, olha firme nos seus olhos e dispara: “Essa reunião marcada para amanhã cedo, logo às 8 horas, é tudo que eu precisava para arrebentar de uma vez com essa semana que já começou mal, continua uma porcaria e pelo jeito vai terminar pior ainda. Vão querer discutir o que desta vez? Prazo de entrega? Volume de estoque? Aumento da concorrência? Sexo dos anjos?”
E você, ingenuamente, em vez de ficar quieto e deixar aquela conversa de lado, resolve mostrar que não há nada de errado em se marcar uma reunião para tratar daqueles ou de outros assuntos da empresa: não vejo nenhum problema em fazermos uma reunião amanhã às 8 horas para tratar desses assuntos. Afinal, todos eles são relevantes para a companhia. Pronto, aquele almoço que poderia ser tranqüilo, em paz e muito reconfortante se transforma numa contenda que só arrefece após o último gole de café. Seu amigo aproveita aquela abertura para expulsar os demônios que acumulou nos últimos tempos – e todos em cima de você. E como ele se sente agredido pelo fato de ter sido contrariado, além de falar alto e gesticular bastante, ainda por cima procura a solidariedade das outras vítimas que estão ao redor. Assim, olha para um, pega no braço do outro, e, dependendo do berço que teve, talvez até com a boca aberta e cheia de alimento. Se nós fôssemos mais íntimos, eu ousaria dizer: quer saber? Bem feito para você, amigo. Afinal, quem mandou cutucar a fera num momento tão inadequado. Hora do almoço ou do jantar não é para discutir problemas ou promover debates. Esse é o momento para saborear o alimento com calma, sem atropelos, tratando de assuntos amenos, divertidos, que não irritem, nem perturbem o bem-estar dos que estão à mesa. Talvez você esteja pensando que não é fácil fazer refeições com essa tranqüilidade toda. Concordo. Nem sempre é possível evitar algumas conversas desagradáveis, considerando que para certas pessoas esse é o único momento para discutir assuntos pendentes. Mas, que dá para melhorar dá. Quantos assuntos chatos, que poderiam muito bem ser evitados, começam a ser discutidos de graça, sem nenhum motivo, vão tomando corpo e, quando menos se espera, transformam-se no estopim de uma verdadeira guerra.

Se você ficar atento poderá salvar muitos almoços, jantares e, o que é muito mais importante, o bom humor de quem estiver ao seu lado. Se perceber que um assunto pouco conveniente começa a se estender desnecessariamente, não deixe que se transforme em veneno, entre em ação e mude o rumo da conversa. Espere o momento apropriado e, com a maior naturalidade que conseguir, faça uma pergunta sobre um tema totalmente distinto, de preferência à pessoa que estiver falando. Pratique esse recurso sempre que puder. Com o tempo você se acostumará tanto a mudar a direção das conversas desagradáveis que as pessoas nem perceberão sua tática. E essa sutileza é muito importante, porque seu interlocutor poderá ficar revoltado e muito mais irritado ainda se perceber que você está mudando de assunto de propósito, apenas para alterar o foco da conversa. Espere que ocorra uma pausa mais prolongada e faça a pergunta como se imaginasse que o assunto tivesse sido encerrado.

A pergunta ideal nessas circunstâncias é aquela que desperta muito interesse em quem estiver conversando. Por exemplo, se você perguntar sobre o carro que ele estava pretendendo comprar, ou a respeito da viagem que há tempos ele desejava fazer, muito provavelmente a pessoa abandonará o que estava dizendo e passará a falar com entusiasmo do novo tema levantado. Um simples comentário sobre os alimentos que estão sobre a mesa poderá também servir para que a conversa passe a ter um tom mais agradável. São situações comuns, que se não forem vigiadas talvez produzam conseqüências negativas, que poderiam ser evitadas, bastando um pouco de atenção, diplomacia e habilidade para contorná-las. Se você fizer um rápido retrospecto agora, certamente irá se lembrar de muitas conversas pesadas que poderiam ter sido afastadas se esse recurso tão simples de se perguntar sobre assuntos diferentes tivesse sido posto em prática.

Observe que estou falando do horário das refeições porque são instantes que reúnem as pessoas e proporcionam campo para que a conversa se desenvolva com maior facilidade. E você já deve ter notado que com fome, nesses momentos que exigiriam mais tranqüilidade, de maneira geral, o ânimo de algumas pessoas tende a se exaltar e elas ficam mais propensas a se irritar. Mas, evitar conversas inconvenientes, que não precisam existir, deve ser uma prática em todas as ocasiões. Se você passar a observar mais atentamente, irá constatar que sua tarefa poderá ser facilitada, pois, como esses assuntos que envenenam o espírito são levantados quase sempre pelas mesmas pessoas, bastará se concentrar nelas. E que ninguém nos ouça, se você for uma delas, não espere que alguém faça perguntas para mudar de assunto, comece desde já a tomar essa iniciativa. Todos irão se sentir muito melhor, inclusive você.
Acrescente na relação dos cuidados que deverá tomar para não transformar conversas em situações desagradáveis a precaução de não reagir emocionalmente às críticas ou acusações que possam ser feitas a você. Analise bem antes de reagir se entendeu de maneira correta o sentido da informação e que vantagens teria se deixando levar pela emoção. Essas reações intempestivas quase sempre são motivos de arrependimento assim que os ânimos se acalmam. Sem contar que, em se afastando delas, estará contribuindo para evitar que o veneno de uma discussão desagradável contamine o seu relacionamento com as pessoas.

Atenção! Não interprete mal essas considerações. Não estou dizendo que você nunca deva discutir ou que não possa reagir às agressões verbais que receber; afinal, a intenção deste texto não é deixar as pessoas com sangue de barata ou fabricar santos. O que pretendo discutir é a conveniência de evitar conversas e discussões desnecessárias, pois essas são situações comuns na convivência das pessoas. Se, entretanto, após todas as considerações julgar que o assunto, mesmo sendo desagradável, é muito importante e inadiável, faça o que achar mais adequado, desde partir para uma discussão até virar o prato de sopa em cima do seu opositor. Depois assuma as conseqüências, sem arrependimento.

Interpretação que contamina
Algumas pessoas não se contentam apenas em contar uma briga, discussão ou desavença que tiveram com alguém. Que nada! Elas precisam contar e interpretar como se o fato estivesse acontecendo de novo. Tanto que se outros estiverem ouvindo a conversa vão pensar que ela está brigando com você. Algumas mais exageradas chegam a segurar na gola ou na manga da camisa do outro e chacoalhar como se fossem agredir seu ouvinte.
Essa gritaria, essa forma raivosa de contar os casos é um poderoso veneno para prejudicar o dia de qualquer um. Não deixe que ajam assim com você. Quando perceber que a pessoa vai repetir em cima de você mais uma de suas brigas, se não puder escapar, use um tom de voz que demonstre sua intenção de brincar e diga, por exemplo: “Opa, parece que você vai brigar comigo também”. Se ela continuar interpretando a discussão, insista, ainda com o mesmo tom de voz: “Acho que acertei, você vai brigar comigo também”. Talvez ela perceba e você consiga ser poupado desses tabefes verbais.

E aqui vai um conselho especial: você deverá empreender todos seus esforços para evitar essas conversas raivosas, mas redobre a cautela quando tiver de falar em público, seja numa reunião importante, numa palestra ou em qualquer outro evento significativo. Se essas pessoas que interpretam assuntos desagradáveis com veemência o pegarem naqueles instantes que antecedem a apresentação, e que deveriam ser reservados para uma reflexão em busca do equilíbrio, podem prejudicar sua concentração e deixá-lo nervoso e inseguro diante dos ouvintes. Eu não abro espaço, fujo delas como o capeta da cruz.

Veneno x gritaria
Até aqui falei principalmente das situações em que o veneno das conversas é destilado com pessoas nervosas, falando alto ou esbravejando. Não se iluda. Às vezes ele pode ser mais poderoso ainda debaixo de falas suaves ou sussurradas. Dependerá do assunto e da intenção de quem fala. Por exemplo, o mesmo comentário a respeito de alguém pode ser positivo ou negativo dependendo de como a frase for construída. Se a pessoa disser que um executivo da empresa é competente, mas não muito pontual no cumprimento de seus compromissos, ao pôr a informação negativa no final, deixará evidente sua disposição de fazer a crítica, que, se não fosse necessária, poderia ser evitada.
Se, entretanto, dissesse que o executivo, embora não fosse muito pontual no cumprimento de seus compromissos, é muito competente, teria mudado totalmente o sentido da mensagem, pois, ao colocar a informação positiva no final, estaria demonstrando sua intenção de fazer um elogio. Tanto uma quanto outra informação poderiam ser transmitidas com tom de voz suave, embora a primeira trouxesse indícios de uma conversa com boa dose de veneno, enquanto a última indicasse uma disposição leve e amena.
Tome cuidado com a maneira de transmitir uma informação. Mesmo uma notícia ruim poderá ser sensivelmente suavizada tornando o ambiente mais leve e menos tenso.
Todo mundo conhece esta história e você já deve tê-la ouvido mais de uma vez. Mas é tão pertinente a esse tema que vale a pena repeti-la, mesmo que seja só para registro ilustrativo:
Um menino correu ofegante para a irmã e disse com voz chorosa:
– O gato morreu.
Foi um alvoroço. Uma choradeira que ninguém conseguia conter.
O irmão mais velho, que observara atentamente a cena, aproveitou a oportunidade para passar um ensinamento ao menino que lhe poderia ser útil para a vida toda:
– Você precisa tomar cuidado com a maneira de dar notícias às pessoas. Procure devagar ir preparando o espírito delas até que estejam em condições de receber a informação. Você deveria primeiro dizer que o gato estava no telhado e caiu. Depois de um bom tempo informaria que devido à queda ele não estava passando muito bem. Em seguida, passado mais um tempinho, diria que o seu estado de saúde havia piorado. E aí sim, depois de ter preparado as pessoas de maneira conveniente, teria condições de dizer que ele havia morrido.
– Está certo, entendi. É para dar a notícia ruim aos poucos, para preparar bem o espírito das pessoas, disse o menino.
O irmão mais velho precisou viajar para completar seus estudos no exterior, e pediu ao menino que cuidasse de tudo na sua ausência e o avisasse imediatamente se alguma coisa errada ocorresse. Depois de alguns dias ele recebeu um telefonema do menino, que lhe disse com voz bem tranqüila:
– Aqui está tudo bem. O único problema é que a vovó caiu do telhado.

Falando em notícia ruim, evite ser o portador de notícias desagradáveis, a não ser que seja muito necessário ou faça parte de suas funções. Com a intenção de ser a primeira a contar uma novidade a pessoa não percebe que ao transmitir a notícia ruim nada ganhará com essa iniciativa; ao contrário, poderá, desnecessariamente, associar sua imagem àquele fato negativo. Você não teria nenhuma vantagem em contar, por exemplo, a um colega de trabalho que o filho dele bateu o carro ou foi despedido do emprego. Mesmo que você tenha essa notícia em primeiríssima mão, a não ser que providências urgentes precisem ser tomadas, deixe que os próprios envolvidos comentem o fato, neste caso o filho ou a mãe dele. Ou que outros novidadeiros tomem essa iniciativa.
E fique tranqüilo, porque não será por falta de gente querendo falar a respeito do assunto que ele deixará de receber a notícia.
Para encerrar, gostaria de refletir com você sobre o motivo que considero um dos principais causadores do mal-estar de uma conversa.

Provavelmente você já deve ter passado por essa situação mais de uma vez. Está tudo indo muito bem na conversa e depois de um momento de silêncio alguém começa a recordar um fato desagradável. Aquele comentário, que num primeiro momento parecia ser uma lembrança rápida e passageira, vai se prolongando e depois de alguns minutos todos estão com os ânimos alterados. Fale de assuntos desagradáveis do passado se eles forem muito importantes para ajudar a esclarecer alguma situação presente, ou como exemplo para um aprendizado. Entretanto, sem nenhum motivo, só para ter o que falar, é veneno na certa. E, na maioria das vezes, um tema que também poderia ser evitado. Se for uma outra pessoa do grupo a tomar a iniciativa de levantar esses cadáveres, que nunca deveriam ser desenterrados, ligue as antenas e na primeira oportunidade introduza um outro assunto e afaste o demônio intruso que quer participar da roda sem ser convidado.
Por todas as situações que analisamos até aqui é possível concluir que, com alguns cuidados simples para evitar conversas desagradáveis desnecessárias, podemos afastar esse veneno do nosso relacionamento, melhorando muito nossa qualidade de vida e das pessoas que convivem conosco.

Se formos gentis e amáveis, encontraremos pessoas educadas e simpáticas, se, ao contrário, desprezarmos as gentilezas e nos comportarmos mal, iremos nos deparar com pessoas antipáticas e distantes.

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