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07 mar 2019

Como Bolsonaro e Trump se elegeram com ideias aparentemente rejeitadas?

“Não existe herói sem plateia”

André Malraux

 

Como Trump e Bolsonaro conseguiram vencer as eleições, defendendo muitas vezes ideias, aparentemente, contrárias às opiniões vigentes e ao desejo da sociedade? A resposta está nesse simples advérbio “aparentemente”, pois um fato é o que imaginamos ser o desejo das pessoas, outro, diferente, é o que elas efetivamente querem. Vamos analisar essa questão à luz das técnicas da comunicação

Conhecer com profundidade o assunto que você irá expor é essencial para que se “atreva” a falar em público. Imagino que ninguém conteste essa afirmação. Sim, há um caso aqui, outro ali, em que pessoas com apenas um frágil verniz de conteúdo conseguem sobreviver por certo tempo com suas arengas, mas não se perenizam, pois sucumbem a uma simples confrontação.

Só conhecer o assunto não basta

Será, então, que conhecer o assunto de maneira abrangente garante necessariamente o sucesso do orador? Não. Além de dominar o tema, o orador precisa saber que ângulo da matéria e quais aspectos colaterais da informação devem ser considerados. Essa decisão se submeterá sempre ao conhecimento, aspirações e crenças dos ouvintes.

Observe que não estou dizendo que o orador deverá mentir ou camuflar informações, mas sim optar pelos dados que possam ir ao encontro dos anseios do público. Sabemos que ética, coerência de comportamento, coragem na defesa de ideais sempre deverão nortear a palavra daquele que quiser ser ouvido e respeitado.

Vamos, assim, imaginar que você tenha de abordar a situação atual do Brasil. Embora possa dar uma visão geral das circunstâncias sociais, políticas, econômicas ou culturais, as características predominantes da plateia é que determinarão o norte da sua exposição.

Se, por exemplo, tiver de falar para um grupo de empresários evidentemente preocupados com a segurança e a rentabilidade de seus investimentos, a predominância da mensagem seria, naturalmente, nesse caso relacionada com os pontos pertinentes à economia. E se os empresários fossem do ramo de transporte aéreo e marítimo de passageiros internacionais, o tema da economia deveria ainda ser delimitado ao desenvolvimento do turismo.

Portanto, essa deve ser a análise mais importante de quem fala em público: entender quais são os desejos dos ouvintes. E a partir dessa identificação, buscar todas as informações que possam direcionar a apresentação para atender a esse objetivo. Ou seja, o discurso só será bem-sucedido se, sobre o conhecimento e evidente domínio do tema, o orador souber adaptá-lo à realidade e expectativas da audiência.

O público quase sempre é heterogêneo

Há ainda um complicador extra nesse estudo. O público nem sempre é homogêneo. Embora, de maneira geral, as pessoas se reúnam com finalidade específica e determinada, não chega a ser tão incomum que boa parte da plateia tenha interesses distintos. Nesse caso, caberá ao orador identificar qual é a aspiração predominante do grupo e caminhar nessa direção.

Para isso, bastará às vezes dar um ou outro exemplo que atenda a essa necessidade. No caso que acabamos de analisar, imaginemos que apenas uma parte do público estivesse interessada no transporte aéreo e marítimo de passageiros internacionais.

Ao falar de economia de maneira mais abrangente, poderia esclarecer seu ponto de vista dando um exemplo sobre as possibilidades de investimento de forma ampla e outro, mais específico, no desenvolvimento do turismo. Assim, todos seriam contemplados. Note que em certas circunstâncias apenas um exemplo ou explicação adicional sobre a informação que interessa ao ouvinte poderá ser suficiente.

Esse é, sem dúvida, o maior e mais importante segredo da comunicação – ter a consciência do que os ouvintes desejam. Tendo em vista o resultado consumado das eleições no Brasil e nos Estados Unidos, por que será que, “aparentemente”, contrariando a maneira de pensar dos eleitores, entre tantos motivos, Trump e Bolsonaro venceram as eleições?

Trump e Bolsonaro fizeram a leitura certa

Cada um deles teve a competência de fazer uma leitura perfeita do que a maioria da população efetivamente esperava naquele momento. Mesmo os comentários das pessoas indo em determinada direção, seus desejos verdadeiros caminhavam em sentido diverso. Hillary nos Estados Unidos, e Alckmin no Brasil tiveram uma visão desfocada do sentimento legítimo dos eleitores.

Você pode perguntar:  por que a referência a Alckmin e não a Haddad, já que este era o concorrente direto? Era sim, mas apenas depois de iniciada pra valer a corrida eleitoral, pois no início os especialistas supunham que Alckmin, com a boa avaliação e sucessivas vitórias em São Paulo, mais tempo de televisão, articulações partidárias e ótima capacidade de comunicação seria o candidato forte.

Bolsonaro conseguiu identificar na população algo que Alckmin não viu: um forte sentimento antipetista e a grande vontade de mudança do sistema estabelecido. Enquanto o candidato tucano se preocupou em pregar suas propostas, Bolsonaro dedicou seu discurso para mostrar sua oposição ao PT. Isto é, fez a leitura mais apropriada do que, de verdade, a maioria dos eleitores desejavam naquele momento.

Você pode pensar: mas eu detesto o Trump, e não posso ver o Bolsonaro na frente! Sim, você pode continuar com esse sentimento refratário, mas não há como fugir do fato de que eles venceram as eleições. E o que nos interessa aqui não é a discussão política, mas sim como a comunicação participou desse pleito.

Esse é um ensinamento para todos nós – conhecer com profundidade o conteúdo que iremos apresentar, mas também, e acima disso, identificar o que os ouvintes querem mesmo da nossa mensagem. Quem faz essa análise de forma correta aumenta consideravelmente suas chances de se sair bem nas apresentações em público e levar os ouvintes a refletirem e agirem de acordo com suas propostas.

Superdicas da semana

– Conheça com profundidade o assunto

– Entenda o que os ouvintes efetivamente desejam

– Mesmo que não goste de um orador, analise porque ele obteve vitória

– Aprenda a adaptar a mensagem de acordo com as características dos ouvintes

 

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: “29 Minutos para Falar Bem em Público”, publicado pela Editora Sextante. “As Melhores Decisões não Seguem a Maioria”, “Oratória para advogados”, “Assim é que se Fala”, “Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas” e “Como Falar Corretamente e sem Inibições”, publicados pela Editora Saraiva. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

**Artigo originalmente publicado no site Uol

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