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16 abr 2024

Defenda-se das gafes

Você não precisa vestir essa saia justa.
Saiba como prevenir
e evitar as gafes.

Ninguém escapa. Vacilou e pimba – mais uma pisada na bola indo para a coleção do mortal. Sim, porque basta estar vivo para cometer gafes. Embora a gafe seja democrática, pois não escolhe sexo, condição social, política ou econômica, o certo é que os mais poderosos e mais aquinhoados são as maiores vítimas. Se nós, pessoas normais, cometermos uma gafe, provavelmente, suas conseqüências se limitarão ao fato em si, ou seja, se restringirão às linhas confortáveis da nossa cozinha. É só passar a régua e fechar a conta. Com a elite, aqueles que freqüentam a tribo de cima, não. Bastou errar na escolha do talher, ou trocar o nome do visitante ou do anfitrião que já vira manchete. A situação se agravou ainda mais com os sites de busca na Internet. Com esse recurso as gafes se transformaram em estrelas de primeira grandeza. Meses, anos a fio, a notícia se junta às outras já existentes e unidas numa irritante solidariedade persistem em acompanhar a biografia da vítima. Para escrever este texto, por exemplo, fiz algumas pesquisas nos principais sites de busca. Mesmo tendo esmagado inúmeros tomates com memoráveis pisadas e escorregadelas, não encontrei nenhuma minha, assim como estava limpinha a ficha do meu tio Elmer Picolli e a do meu primo Carlos Roberto Paçoca. Entretanto, bastou mencionar o nome do Lula e do Bush para que páginas e mais páginas saltassem na tela do computador, como se os fiascos dos poderosos fossem motivo de comemoração. E os freqüentadores da ponta da pirâmide, às vezes, são vítimas das gafes que cometem e das gafes cometidas contra eles. O Lula, por exemplo, assim que tomou posse como presidente, logo nos primeiros dias de governo, foi prestigiar a posse do presidente do Equador, Lúcio Gutierrez. Fico imaginando como Lula estaria se sentindo. Naturalmente orgulhoso, envaidecido por ser o presidente do país mais importante abaixo da linha do equador e aguardando os salamaleques todos, enquanto caminhasse pelos tapetes vermelhos do evento. Pois não é que o mestre de cerimônia cometeu uma gafe, poderia dizer literalmente, federal, referindo-se ao presidente brasileiro como José Inácio Lula da Silva. E não foi só isso, ello metió la pata dos veces en la pelotita, pois mais à frente insistiu pomposamente no José. Lula ficou quieto lá no fundo da sala, mas balançou negativamente a cabeça, de maneira moderada na primeira vez, e meio irritado na segunda.

Bem, Lula também não tem do que se queixar. Logo no primeiro ano de governo conseguiu desfilar um rosário de gafes que daria para completar um álbum inteiro e ainda deixar algumas de reserva. Uma das mais famosas ocorreu durante a visita que fez aos países africanos. Ao discursar de improviso em Windhoek, a capital da Namíbia, declarou que não esperava encontrar na África uma cidade tão limpa como aquela. E que não parecia estar num país africano. Nem é preciso dizer o mal-estar que essa declaração provocou.
Todos esses deslizes têm um selo de falta de qualidade chamado improviso. Em todas essas situações as gafes apareceram porque a mensagem surgiu inesperadamente, de maneira improvisada, sem planejamento. Não que seja sempre errado falar de improviso. Mas, em circunstâncias mais formais, é preciso redobrar os cuidados para evitar conseqüências constrangedoras. Assim, se for preciso falar de improviso, evite mensagens que ainda não tenham sido discutidas e muito menos que não tenham sido submetidas a um processo de filtragem. Se tiver preparado um discurso e meditado sobre a propriedade e adequação de seus termos, evite fazer mudanças de última hora. E, se precisar mesmo promover alguma alteração, tenha certeza de que a nova mensagem passaria pelo crivo de uma criteriosa reflexão preliminar. Na dúvida, siga o velho trilho batido, que o levará ao destino com segurança, sem surpresas.

Dando bom dia a cavalo

Nem precisaria mencionar as gafes cometidas pelo falecido Vicente Mateus. São de sua extensa lavra pérolas como “quem entra na chuva é pra se queimar”, “é uma faca de dois legumes” e outras do mesmo calibre. Entretanto, o eterno presidente corintiano passou para a história por ser profético, quando depois de ter tropeçado mais uma vez nas próprias palavras, dizendo “quero agradecer a Antarctica pelas Brahmas que mandaram”, acertou no olho do mosquito, pois muitos anos depois, com a criação da Ambev, as duas marcas se juntaram. Mas, Vicente Mateus podia errar e se enganar à vontade que não tinha nenhum tipo de prejuízo com suas gafes. Ao contrário, tornava-o cada vez mais folclórico e popular. Diferente, por exemplo, do secretário de organização do PT, Silvio Pereira, que, segundo a revista Veja, de tanto dizer besteiras já ganhou o apelido de Magda, aquela personagem do extinto programa Sai de Baixo, da TV Globo, que não dizia coisa com coisa. As frases de Silvio estão além das pérolas nossas de cada dia. São de sua autoria, com firma reconhecida em cartório, citações como: “estamos como batatas tontas” e “esse é o meu joelho de Aquiles”. Para quem não vai passar para a história como torcedor envolvido com clubes de futebol não é lá dos melhores currículos a se apresentar. Como já dizia meu avô: quem fala demais acaba dando bom dia a cavalo.
E não é somente o fato de falar muito, e sim o de falar sem pensar no sentido das palavras que são utilizadas na construção das frases. Se o Silvio pensasse um pouco sobre o sentido das palavras, iria verificar que seria impossível uma batata ficar tonta, mesmo que passasse o dia todo dançando no óleo quente sobre a frigideira.

fique sempre muito atento
Há gafes que se transformam em irreversíveis encrencas. Ao cumprimentar as pessoas que compõem uma mesa diretora num evento, tome muito cuidado com a ordem de precedência e, principalmente, não se esqueça de cumprimentar ninguém. Conheci um deputado que havia rompido relações com um colega da Câmara só porque durante os cumprimentos fora mencionado depois de uma pessoa de hierarquia inferior durante uma solenidade. Tremendo exagero? Também acho. Mas, o fato ocorreu e eu só fiquei sabendo porque ele me contou. Quantos casos devem ter ocorrido, sem que ninguém soubesse. Só mais essa do Lula, depois prometo deixá-lo em paz. Ah, essas promessas que não podem ser cumpridas! E falo dele porque é o presidente do país e todo mundo fica na marcação. Uma raspadinha na casca do tomate e tem início a tempestade. Em julho de 2003, ele saudou todas as personalidades que participavam do seminário sobre Desenvolvimento com Ética e Responsabilidade, em Belo Horizonte. Cumprimentou o primeiro ministro da Noruega, Kjell Mangne Bondevik, o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Henrique Iglesias, mas se esqueceu de mencionar Ruth Cardoso, esposa do ex-presidente Fernando Henrique. O governador de Minas Aécio Neves, que estava atento ao desenrolar da cerimônia, deu uma ajeitada na situação cumprimentando-a com deferência especial. O mesmo Aécio Neves, que nesse episódio foi o salvador da pátria, em outra oportunidade também sofreu um atropelo. O presidente Lula (eu disse que essas promessas são difíceis de cumprir) protagonizou a cena. Chamou o governador mineiro de Aécio Nunes. Como diria uma fantasiosa combinação filosófica de “Silvio Mateus”, “um dia da caça outro do pescador”.
Eu também já fui vítima de um esquecimento. Quando conclui um de meus cursos de pós-graduação na Cásper Líbero, em São Paulo, fui escolhido pelos colegas para ser o orador da turma. Fiz o discurso representando os formandos e em seguida teve início a entrega dos certificados de conclusão. Quando o último certificado foi entregue, o doutor Laan Mendes de Barros, que mais tarde seria meu orientador no mestrado, percebeu que haviam esquecido de me chamar. Discretamente foi até o diretor da faculdade para alertá-lo. O arranjo ficou bom. O diretor retomou a palavra e disse ter ficado tão encantado com meu discurso que resolvera fazer uma entrega especial do certificado e me convidou para sentar à mesa até o final da solenidade.
Mas, como eu disse há pouco, somos vítimas das gafes que cometemos e das que cometem contra nós. Por isso, preciso contar o outro lado, o dia em que cometi uma gafe que me envergonhou muito. Eu estava presidindo uma solenidade de formatura dos alunos do nosso curso de expressão verbal, num evento muito peculiar. Os alunos recebiam o certificado de conclusão e se dirigiam à tribuna para dizer algumas palavras. Em determinado momento chamei um dos formandos para que recebesse o certificado e se dirigisse até à tribuna para fazer seu discurso. Nesse instante alguém da platéia pediu que aumentássemos um pouco o volume do som. Esse fato me desconcentrou e me fez esquecer do que deveria ser feito. Assim, chamei outro formando enquanto o anterior ainda esperava sua vez de falar na tribuna. Foi um vexame testemunhado por quase 500 pessoas.
Não negligencie. Ao chegar ao local onde fará sua apresentação certifique-se de quem irá compor a mesa diretora, qual a pronúncia correta do nome de cada um e posição hierárquica deles. Fique atento para as alterações e substituições. Na hora de cumprimentar, se não tiver cem por cento de certeza de que se lembrará de todos os nomes com facilidade, faça uma relação e use o papel sem constrangimento. Ninguém o criticará por usar um recurso de apoio, mas não o perdoarão se cometer um engano na precedência hierárquica, ou deixar de mencionar alguma pessoa.

Buenos Aires é a capital do Brasil

Não faz muito tempo que dia sim, outro também aparecia um americano, com seu profundo conhecimento sobre geografia, dizendo que a capital do Brasil era Buenos Aires. Não entendo porque nós ficávamos tão aborrecidos se a ignorância era deles. Mas, se você pensa que essa época dos enganos primeiromundistas é de um passado muito distante, está muito enganado. Em 1983, quando visitou o Brasil, numa reunião em Brasília, no Palácio Itamaraty, o presidente americano Ronald Reagan ao fazer um brinde aos brasileiros desejou “saúde ao povo da Bolívia”. Cometo uma grande injustiça quando me refiro apenas às gafes americanas, pois também o presidente francês Jacques Chirac promoveu uma troca lamentável, ao dizer que Fernando Henrique Cardoso era presidente do México. Quando a imprensa francesa, na voz do tradicional Le Figaro, tentou amenizar a desgraça o remendo foi ainda pior. Disse que, “como o Brasil e a Guiana, o México é também uma terra da América”. Se você está muito preocupado com as gafes que os presidentes de outros países cometem contra nós, tranqüilize-se porque na infalível lei das compensações já demos o troco. Em 1999, o mesmo Fernando Henrique Cardoso referiu-se aos bolivianos como sendo peruanos. Do jeito que estou relatando os fatos, parece que essas gafes geográficas são privilégio dos políticos. Entretanto, personagens de atividades distintas também já sapatearam nesse tomateiro. Diante de quase 15 mil pessoas, a cantora Alanis Morissette despediu-se da platéia em Lima, no Peru, com um sonoro “thank you, Brazil”.
Principalmente quando visitamos diversos lugares em tempo curto, podemos confundir alguns nomes. Vejo por mim. Quando entro na maratona de ministrar cursos e palestras em ritmo acelerado, às vezes, ao acordar num quarto de hotel preciso de alguns segundos de concentração para me lembrar de onde estou. Se não ficar bem atento, daí a virar o mapa de cabeça para baixo é um pulinho. Por exemplo, ministro 10 aulas de apresentação do meu curso no início de cada temporada. São oito aulas à noite e duas no sábado pela manhã. Num desses sábados, com a casa lotada de visitantes, a maioria estranhos, que nos procuravam pela primeira vez, cheguei todo confiante e sapequei um caprichado boa noite. Todos ficaram me olhando com aquela cara de interrogação, sem saber se eu havia mesmo me enganado, ou se era um truque para chamar a atenção da platéia. Levei uns bons minutos para me recompor. Depois dessa experiência, saber se é bom dia ou boa noite, naturalmente, passou a fazer parte dos meus itens de concentração antes de ir para a frente do público.

Gafe de ministro E presidente
José Graziano, ministro da segurança alimentar do presidente Lula, cometeu uma gafe digna de um chefe de estado. Disse que era preciso alimentar os nordestinos para evitar a migração para o Sudeste, onde agravariam a questão da segurança. Não é difícil deduzir a alegria que os nordestinos sentiram com tamanha deferência. Não é porque você está numa localidade diferente daquela que está sendo mencionada que a repercussão será mais amena. É tempo real, falou aqui ouviram lá. E antes de você completar a frase já estará recebendo, via satélite, a reação indignada dos atingidos. Depois, nem precisamos dos satélites, pois com essa alucinante mobilidade física das populações, em toda platéia sempre tem gente de todo lugar.
Outros ministros, em épocas distintas, também escorregaram nas frases que construíram. O ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, por exemplo, extrapolou no verbo e foi exonerado de um invejável cargo. Num discurso repleto de bravatas peitou o então ministro da Fazenda Pedro Malan e foi premiado com um bilhete azul. Num texto que julgava ser ousado, criticou a condução da política econômica dizendo “e o excesso de cautela, a essas alturas, será o outro nome para covardia”. Foi dali para o chuveiro, rapidinho.
Um falou sem pensar. O outro pensou demais para falar e errou no cálculo. De qualquer maneira os dois erraram na comunicação. Se o primeiro tivesse refletido um pouco mais, não falaria o que falou. Enquanto o último, se tivesse saído de si mesmo e se colocado no lugar do ministro que estava recebendo a crítica e avaliado melhor o poder de quem estava atacando, também não diria o que disse. Veja que tudo depende de planejar com cuidado o que se pretende dizer.

Ele não poderia faltar
Este texto não estaria completo se não contemplasse com destaque o rei das gafes, o presidente americano George W. Bush. Neste quesito dá de goleada no nosso presidente. Já nos primeiros meses de governo recebeu uma distinção, publicaram um livro intitulado bushismos, com uma extensa relação de frases saídas da sua santa boca. Só para relembrar uma das mais extraordinárias cito esta: “Os Estados Unidos estão importando cada vez mais do exterior”. Não é por nada não, mas tem que ter um toque elevado de genialidade para saber que um país importa produtos do exterior! Recentemente o alto mandatário americano surgiu com uma confusão que até agora estão procurando explicações convincentes. Ele disse: “Não tenho a menor dúvida de que fracassaremos”. E na seqüência do seu discurso, como se nada tivesse acontecido, afirmou que “o fracasso não faz parte do nosso vocabulário”. Este senhor, nos tribunais simulados que os garotos da minha rua faziam, teria ouvido daquele que estivesse representando o papel do promotor: afinal, onde está a verdade nas suas afirmações? Na primeira em que disse com todas as letras que fracassaria? Ou na segunda, em que se contradisse, alegando que seu vocabulário não comporta a expressão fracasso? E ainda seria obrigado a ouvir a advertência do menino atrevido: lembre-se de que o senhor está sob juramento!
Acho que é mania de grandeza. Eles sempre querem ganhar em todas as circunstâncias, até na competição das gafes.
Não tenha ilusões. Não existe antídoto garantido contra as gafes. Quando menos esperar lá está o tomatinho debaixo da sola do sapato. Ser um ilustre desconhecido tem a vantagem da falta de publicidade para os nossos deslizes. Entretanto, se você já estiver na calçada da fama, redobre o cuidado, pois estará mais exposto e debaixo da observação cerrada dos arautos.

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