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04 mar 2018

Deixa-disso

Reinaldo Polito

Do nada, quando tudo parece estar na mais completa tranqüilidade, você ouve alguém gritando lá no fundo da sala: se abrir a boca de novo, vou te encher de porrada, seu safado.

Todo mundo olha para ver o que está acontecendo e você fica perplexo com o que acaba de descobrir. Aquele que está esbravejando todo destemperado é o João, um cara do bem, supergente boa.

Quem já não presenciou pessoas perdendo o controle e girando a metralhadora verbal sem muita noção do que está fazendo? E o pior é que a pessoa fica tão ensandecida que enquanto não gastar a última “bala” não consegue parar de falar.

Se você perceber alguém rodando a baiana, fungando como se fosse um dragão, com o rosto arroxeado, a boca salivando, quase espumando, fique esperto porque com gente brava assim nem sempre há condições de apaziguar.

Esse quadro que aparentemente é tão surrealista, na verdade é uma cena que pode ser presenciada em quase todos os lares, até naqueles onde vivem famílias que são exemplos de harmonia e tranqüilidade.

Sem mais nem menos, de vez em quando aparece um com a veneta virada, arma o circo e o pau começa a comer. Se for numa casa que tem gente boa por perto, com jeito, dá para acalmar a fera. Aparece a turminha do deixa-disso e o ambiente vai se normalizando.

Quando o pega-pra-capar se restringe ao ambiente familiar, fica parecendo caso especial de televisão, que começa e acaba no mesmo dia. E não raro se transforma em história para ser lembrada com boas risadas nos encontros sociais.

Em casa, salvo exceções mais pesadas, geralmente tudo é mais simples porque entre marido e mulher, na cama, um leve toque no pé, como se fosse por acaso, uma escorregada para perto do parceiro, acaba pintando um clima, e tudo começa a se resolver.

A mesma paz pode voltar a reinar quando o entrevero ocorre com pais e filhos, irmãos, pois como há amor no relacionamento, em pouco tempo a raiva se dissipa e a paz nossa de cada dia retorna quase sem seqüelas.

Já não se pode dizer o mesmo quando a história é protagonizada por pessoas estranhas, que convivem sem que haja amor na relação. Por causa de besteirinhas, armam o bico, viram a cara um para o outro e, nos casos mais graves, fazem solenes promessas de vingança.

Passado algum tempo, as causas da desavença desaparecem e só fica um sentimento de mágoa com a sensação de que alguém atravessou a linha e abalou o relacionamento. Poucos conseguem explicar quais foram os motivos da briga ou da discussão.

Veja que não estou tratando aqui de confrontos motivados por atitudes que justificaram o rompimento. Refiro-me especialmente ao destempero e à reação intempestiva das pessoas que não contam até três antes de subir nas tamancas e armar um sururu. É o tipo de gente que num piscar de olhos, por impulso, levantam a voz, esbravejam, abrem a mochila e libertam as cobras e lagartos que levam de prontidão.

São aqueles que não conseguem se controlar, perdem completamente a calma e só se satisfazem depois que despejam o estoque de bílis naqueles que tiveram o topete de contrariá-los.

Eu sei que sangue de barata não é um líquido que corre nas veias da maioria de nós, e que não é fácil engolir sapo e levar desaforo para casa. Até para os mais santinhos, seguir os preceitos bíblicos e virar a outra face é um sacrifício que exige bastante espírito de resignação. Já vi muitos desses com diploma registrado de anjinho perderem a calma e na segunda esperneada guardarem a auréola na gaveta.

Mesmo sendo difícil, é preciso aprender a contar além de dez para evitar problemas que em determinadas circunstâncias podem ser irreversíveis. Essas atitudes destemperadas e irrefletidas podem gerar conseqüências muito desagradáveis na vida pessoal e nas relações do ambiente corporativo.

Reagir de maneira impensada, tomar decisões em momentos de raiva, só porque foi contrariado, para se defender de ofensas recebidas não é uma boa prova de sensatez.

É quase matemático. Se você estiver descontrolado emocionalmente e num acesso de cólera tomar uma decisão, no dia seguinte, muito provavelmente, terá vontade de bater a cabeça na parede de tanto arrependimento.

Para tomar decisões importantes que envolvam muito dinheiro ou mexam com a vida das pessoas, você precisa no mínimo de uma boa noite de sono.

Eu não me excluo. Também já desenvolvi o hábito de contar com a noite como conselheira para as minhas decisões. Não foram poucas as vezes em que redigi e-mails com adrenalina raivosa na ponta dos dedos, mas antes de clicar o “send” tive a lucidez e a prudência de deixar o texto dormindo sossegado por uma noite e adiei o envio dos impropérios para o dia seguinte – como eu me arrependeria se tivesse me guiado pelos meus impulsos e encaminhado a mensagem de maneira irrefletida.

Por isso, reflita com bastante cuidado antes de passar para frente uma decisão importante. E, se depois de pensar bastante, ainda assim julgar que deveria esperar mais um dia antes de agir, principalmente se estiver com a emoção à flor da pele, revoltado ou indignado com as atitudes de alguém, veja se é possível esperar passar a noite e, quem sabe, no dia seguinte se surpreenda com sua nova disposição mais equilibrada e conciliadora.

Que ninguém nos ouça – neste caso, é muito mais simples dizer o que fazer do que agir. Mas, enquanto falo com você eu também aprendo e me conscientizo cada vez mais que devo esperar uma noite antes de dizer o que não devia. Desta forma, vamos todos aprendendo a deixar para amanhã o que não deveríamos dizer hoje.

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