< Página Anterior

04 abr 2018

Enfrentei Clodovil Hernandez

                                                        Reinaldo Polito

Sai de cena o guerreiro e irreverente Clodovil Hernandez. Minha mãe está triste, pois era admiradora do apresentador de televisão, do estilista e, nos últimos tempos, do deputado. Ela o considerava inteligente, lúcido, e muito competente em tudo que se propunha a fazer.

Todas as vezes em que ele mudou seu programa de emissora ela o acompanhou de maneira fiel, como se fosse uma escolha natural. Se não por outros motivos, só o fato de ele agradar e dar alegria a minha mãe já seria suficiente para que eu o admirasse.

Sempre achei curioso como ele tratava os entrevistados em seus programas de televisão. Não entendia como algumas pessoas simplesmente não se levantavam no meio da entrevista e o deixavam falando sozinho. Em alguns casos ele chegava até a ser desrespeitoso.

Talvez até por esse motivo tenha conseguido conquistar uma legião de fãs. Tanto que conseguiu se eleger deputado com a terceira maior votação, quase 500 mil votos. Ficou atrás apenas de Paulo Maluf e Celso Russomano.

Meu encontro com ele foi quase uma tragédia. Quando lancei meu livro “Fale muito melhor” surgiram excelentes oportunidades de entrevistas. Já estava agendada a gravação no programa do Jô Soares e combinado que eles me buscariam em casa por volta das seis horas da tarde.

A produção do programa do Clodovil, entretanto, também entrou em contato para marcar uma entrevista naquela mesma tarde. Eu tinha interesse em participar dos dois programas por causa da boa audiência, mas por uma questão de responsabilidade disse que só poderia ir ao programa do Clodovil se pudesse ser entrevistado logo no início da tarde, por volta das duas e meia, três horas.

Concordaram e antes do horário combinado eu já estava na emissora. Lá me encontrei com uma querida amiga, Mara Behlau, uma das mais importantes fonoaudiólogas do país, e com quem já havia participado de vários eventos, como a jornada de comunicação em Cuiabá, o primeiro congresso internacional de laringologia e voz realizado no Rio de Janeiro e o segundo em São Paulo, dirigidos por ela.

Por isso, além do relacionamento profissional, desenvolvemos também uma excelente afinidade pessoal. Enquanto aguardávamos o momento da entrevista ficamos na sala de espera pondo os assuntos em dia.

Lá pelas três e tanto, como ninguém se manifestava sobre a nossa entrevista, procurei o pessoal da produção do programa para alertar mais uma vez que eu tinha um compromisso importante logo mais à tarde, e como havíamos combinado minha participação deveria iniciar o mais breve possível. Disseram para que eu ficasse tranqüilo que logo seria chamado.

Às quatro e quinze eu disse a Mara Behlau que não poderia esperar mais e que iria me retirar. Mara avisou à produção do programa sobre a minha decisão e imediatamente nos levaram para o estúdio. Não sei se foi por causa dessa pressão ou porque o Clodovil era mesmo assim, mas a entrevista foi uma verdadeira provação.

Ele simplesmente me ignorou e só falou com a Mara. Por ser minha amiga e me conhecer bem, ela tentou mudar o rumo da conversa dizendo ao apresentador que eu era um autor renomado de livros, que era um profissional muito experiente na área da comunicação, que várias personalidades já haviam requisitado meus serviços como professor, mas era como se ela não houvesse dito nada, pois ele continuava a conversa como se eu não estivesse presente.

Até a produção do programa ficou incomodada e passou a sugerir pelo ponto eletrônico que ele me incluísse na entrevista. Ele não só não me incluiu como respondeu no ar à produção que gostava muito da Mara e queria continuar só conversando com ela.

Nunca na minha vida eu havia passado por momentos como aqueles, completamente ignorado pelo entrevistador e com outro compromisso importante para atender.

Pensei em levantar-me e abandonar o programa, mas conclui que essa atitude poderia prejudicar minha imagem, pois, com certeza, muitos telespectadores que me conheciam estavam aguardando para ver como me sairia daquela enrascada.

Eu sabia também que se quisesse falar do meu livro, que era o objetivo da minha presença no programa, deveria antes conquistar o interesse do entrevistador, para depois sim, com a autorização e até com a ajuda dele, me dirigir aos telespectadores com minha mensagem. Resolvi enfrentá-lo.

Usei uma tática bem-sucedida. Num determinado momento surgiu a oportunidade para eu dar a opinião sobre um assunto bastante simples sobre comunicação, e o meu comentário foi tão óbvio que não haveria possibilidade de ser contestado.

Pois não é que o Clodovil, querendo me desafiar de maneira ostensiva, discordou! Essa foi a minha chance de conquistá-lo. Em vez de tentar um contra-argumento, com sinceridade fiz uma observação sobre a atitude que ele havia tomado.

Mais ou menos com essas palavras, eu disse: Sabe Clodovil, quando alguns amigos souberam que eu viria ao seu programa, me alertaram para que eu tomasse cuidado, pois você às vezes deixa o entrevistado em situação delicada, mas agora vejo que suas intervenções tornam o programa mais interessante. Por exemplo, nesse assunto que estamos discutindo, o fato de você discordar me obriga a encontrar outros argumentos para sustentar minha forma de pensar.

Com isso a entrevista sai de qualquer plano que eu pudesse ter idealizado e toma rumos inesperados, o que com certeza estimula o telespectador a acompanhar. Essas minhas palavras agradaram o apresentador, pois a partir daquele momento pediu que eu falasse do meu livro, do meu trabalho, das minhas palestras e disse que gostaria de me convidar para participar de outros programas.

Foi uma excelente lição para mim e para muitas pessoas que nos assistiam. Se eu tivesse aberto confronto com ele, provavelmente o objetivo da minha entrevista não seria atingido. Soube depois que havia mesmo muitos telespectadores aguardando para ver o desfecho da entrevista.

Quando li sobre a morte do Clodovil fiquei muito triste. Primeiro porque sabia que minha mãe estava sofrendo com a notícia. Depois porque foi graças à experiência dessa entrevista tão difícil e desafiadora que aprendi um pouco mais sobre comunicação. Jamais esquecerei.

Descanse em paz, Clodovil. Que as pessoas possam se lembrar de você com saudade da sua irreverência e capacidade de comunicação. Que usem seus conselhos para ter coragem de enfrentar os desafios que a cada dia põem a prova nosso potencial para superar adversidades. Com seu jeito você foi um guerreiro que soube lutar até o fim.

Livro de minha autoria que trata do relacionamento com a imprensa: “Oratória para advogados e estudantes de direito”, publicado pela Editora Saraiva.

 

Se desejar conhecer outras dicas de comunicação entre no meu site  https://reinaldopolito.com.br/portugues/dicas.php?id_nivel=15

Deixe um comentário

AULA DE APRESENTAÇÃO GRATUITA