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19 abr 2024

Essa História Já Ouvi…Muitas Vezes

No passado a praga se restringia às histórias aprendidas nos cursos de oratória. Os professores ensinavam algumas pequenas fábulas e parábolas apenas como exemplo, para que os alunos as tomassem como modelo para suas ilustrações. Mas esses estudantes, comodistas, incluíam-nas em seu repertório e lançavam mão delas em todas as circunstâncias, de brindes de batismo, às defesas de tese de doutorado, até ao xaveco nas baladas. Era só alguém contar uma história durante uma palestra e já se ouvia a corrente de murmúrio no auditório, comentando em que curso ele deveria ter aprendido aquela que de original não tinha nada.
Hoje, a fonte deixou em parte de ser os cursos de oratória e migrou para as pesquisas pessoais dos palestrantes. Uns ouvindo os outros, ou chafurdando na Internet.

É desesperador. Você não acredita que vai ouvir aquela historinha de novo, mas pela entonação do palestrante e o andar manjado da diligência, literalmente, não dá outra, pois já se pode vislumbrar a chegada daquela pérola que meio mundo gosta de contar. Quando é autoplágio ainda vá lá. Não serei eu, um autoplagiador confesso e assumido, que vou atirar a primeira granada, pois como castigo merecido pela minha linguatunice viperina, ela estouraria em minha própria mão. Refiro-me, portanto, às histórias que todos os palestrantes contam com freqüência. O problema atingiu uma dimensão tão preocupante que alguns colegas de tribuna chegam a contar a mesma história para a mesma platéia no mesmo evento – um pela manhã e outro à tarde. Como aquele que fala à tarde não fica sabendo o que o colega disse pela manhã, embarca no iceberg e muda só o nome dos bichos. Pela manhã eram dois correndo de um leão, e um para e calça o tênis. À tarde são os mesmos dois correndo, só que agora de um tigre. Mas a seqüência é a mesmíssima:
– Hei, não adianta você calçar o tênis, jamais conseguirá correr mais do que o leão / tigre.
– Mais do que o leão / tigre eu não vou correr, mas mais do que você sim. Aí o palestrante da tarde, que tem certeza de que contou uma história inédita, fica aguardando a reação dos ouvintes, mas só consegue perceber, sem entender, algumas fisionomias contrariadas. E passa a se lamentar: aonde foi que errei?

Como participo de eventos em que vários palestrantes se apresentam um após o outro, já vi inúmeras vezes um deles anotando a boa história que o outro acabou de contar. Penso comigo: esse vai fazer besteira, porque está se apropriando de uma história que possivelmente será contada por aquele palestrante em outras circunstâncias. E, como vimos, se tudo der errado, até no mesmo evento.
Contar histórias em apresentações, sejam palestras, conferências ou simples aulas é um recurso excepcional de comunicação. Praticamente todos os palestrantes de agenda cheia e bem-remunerados são bons contadores de histórias. Eu mesmo, antes de uma palestra faço a revisão não só do conteúdo, mas principalmente das histórias que vou usar para tornar a mensagem mais clara e interessante. Entretanto, se não for um erro, é com certeza um risco muito grande contar histórias muito conhecidas, aquelas preferidas por onze de cada dez palestrantes.
As melhores histórias são aquelas que você encontra nas suas leituras de livros, jornais e revistas, ou ouve nos filmes, peças de teatro e conversas sociais. Essas histórias serão suas, diferentes, e por isso despertarão o interesse e criarão maior expectativa nos ouvintes.
Se, entretanto, resolver contar uma história surrada pelo uso, ponha a criatividade para funcionar e revista-a com uma roupagem nova, atraente, de tal maneira que pareça aos ouvintes uma peça inédita, como se estivessem ouvindo aquela narrativa pela primeira vez. Lembre-se, porém, de que não basta apenas trocar o nome dos bichos, pois nessa arte de contar história em uma troca de leão por tigre bicho continua sendo bicho.

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