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04 mar 2018

Fuja do olho gordo

Reinaldo Polito

Inveja, olho gordo, seca pimenteira. Xô, Satanás. Longe de mim essa gente que não se conforma com o sucesso e o bem-estar dos outros.

Pessoas invejosas são como ervas daninhas -brotam e proliferam em qualquer cantinho. Bastou aparecer alguém se dando bem na vida para despertar à sua volta esse sentimento que além de ser rasteiro e desprezível é tão antigo quanto a história da humanidade.

E põe antigo nisso! Caim matou Abel por inveja. Nãããooo! É mesmo? Polito, com informações tão inéditas como essa, daqui a pouco você vai dizer que já inventaram a roda.

Fique tranqüilo. Eu sei que essa passagem bíblica não é nenhuma novidade. Fiz a citação só para lembrar que olho gordo não é invenção da moçada de hoje -apareceu com o primeiro homem a pisar na Terra e que, portanto, já deveríamos ter aprendido algo sobre esse sentimento.

Entretanto, mesmo sendo a inveja uma velha de praça, é impressionante como, de maneira geral, nós a estranhamos e estamos sempre nos surpreendendo com ela.

Se refletirmos melhor sobre os motivos da inveja e conseguirmos identificar as formas apropriadas de nos defendermos dela, talvez possamos acrescentar um precioso ingrediente para melhorar o relacionamento com as pessoas e para o sucesso da nossa comunicação. E ousaria dizer, não só para nos protegermos da inveja dos outros, mas, quem sabe, principalmente, da presença desse sentimento em nós mesmos.

Sim, porque se perguntarmos a dez pessoas se elas são invejosas, talvez 11 respondam que não, pois temos a tendência de supor que os outros é que são invejosos, não nós.

Por isso, ligue as antenas e fique esperto para não ser surpreendido por esse sentimento tão negativo, que pode até impedir que nos relacionemos de forma mais harmoniosa com as pessoas.

A partir de uma reflexão aristotélica, e supondo que você, como um ser humano normal, sinta inveja, pense nas seguintes questões:

Você sentiria inveja do boy que acabou de ser admitido na empresa e anda perdido de um lado para o outro, pagando o mico de principiante, obrigado a procurar no almoxarifado a máquina de desentortar clipes? Provavelmente não.

Você sentiria inveja do velhinho australiano que quase ao apagar da última velinha ganhou o prêmio Nobel por descobrir as propriedades nutritivas das patas do rinoceronte? Provavelmente não.

Sabe por quê? Segundo Aristóteles, porque “invejamos os que nos são iguais por nascença, parentesco, idade, disposição, reputação, bens em geral”, e tanto o boy como o velhinho cientista são avaliados num nível tão distante de inferioridade ou de superioridade aos nossos olhos, ou aos olhos dos outros, que não os consideraríamos iguais a nós.

Por isso sentimos inveja daqueles que almejam os mesmos objetivos que nós, não daqueles que estão com a cabeça voltada para outros horizontes. Daqueles que venceram com facilidade nas situações em que fracassamos, ou tivemos que fazer muito sacrifício para atingir o mesmo resultado, não daqueles que fracassaram nas situações em que nos tornamos vencedores. Daqueles que conseguiram vantagens que um dia foram nossas, ou que julgamos que deviam nos pertencer, não daqueles que obtiveram benefícios que nunca aspiramos possuir.

Resumo da ópera: sentimos inveja de quem nasce ou vive na mesma casa ou no mesmo bairro, freqüenta o mesmo clube, trabalha na mesma empresa ou na mesma atividade, disputa o mesmo mercado. Isto é, parente, amigo, colega e concorrente. Você não? Ok, já estou alterando a estatística de 11 para 12.

Observe que os invejosos estão mais próximos do que imaginamos. É claro que não é para ficar paranóico e começar a tomar banho com sal grosso ou andar com galho de arruda na orelha, mas sim saber quem são, onde estão e como agir com eles da maneira mais adequada.

Embora eu tenha iniciado este texto fazendo uma espécie de prece para ficar sempre longe dos invejosos, você percebeu que, por eles estarem muito próximos de nós, até debaixo do mesmo teto, não há como evitá-los. Precisamos compreendê-los e aprender a conviver com eles da forma mais positiva possível.

Veja também como esse conhecimento pode ser útil no resultado da sua comunicação. Ao fazer uma apresentação será possível, a partir dos parâmetros que acabamos de destacar, saber se os ouvintes poderiam ou não se mostrar resistentes por causa da inveja ou de uma rivalidade mais acentuada.

Se entre os ouvintes houver uma boa parcela de pessoas que se enquadram nesse “grupo de risco”, a melhor tática para quebrar essa resistência é identificar as qualidades que elas possuem e enaltecê-las com elogios sinceros que possam, sem nenhum tipo de desconfiança, parecer verdadeiros. Essa atitude poderá fazer com que a platéia se desarme, afaste as resistências e passe a ouvi-lo com maior benevolência.

Assim, se ao falar em público, concluir que a inveja é o verdadeiro motivo da resistência dos ouvintes, seja compreensivo e entenda esse sentimento sem mágoa ou revanchismo, pois compreendendo as pessoas como elas são, com suas carências, seus medos, suas inseguranças e defeitos, haverá de sua parte um movimento favorável que poderá ser o caminho mais curto e eficiente para conquistá-las.

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