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28 mar 2024

Na prática a teoria das entrevistas é outra

por Reinaldo Polito

Já concedi incontáveis entrevistas para praticamente todos os órgãos de imprensa importantes do Brasil, incluindo jornais, revistas, emissoras de rádio, de televisão e internet. Em algumas circunstâncias, para promover as palestras que vou ministrar nos mais diferentes cantos do país, chego a dar mais de dez entrevistas em um único dia. Mas, na saia-justa em que me meti na minha primeira experiência, jamais me esquecerei. Eu estava apenas iniciando minhas atividades como professor de expressão verbal e, hoje posso confessar, sendo apenas um garoto com pouco mais de 20 anos, às vezes tinha mais receio de me apresentar do que os alunos que me procuravam. Uma pessoa minha conhecida tinha programa diário numa emissora de rádio em São Paulo e me convidou para uma entrevista. Com tempo de estrada próximo de zero, eu, embora lesse muito sobre o assunto, ainda não havia passado por essa situação. Na noite anterior eu estava muito ansioso e consumi horas treinando respostas para as perguntas que ela pudesse me fazer. Havíamos marcado a gravação para as nove da manhã, mas antes das oito eu já estava perambulando pelo bairro próximo da emissora. A apresentadora nem sonhava que aquela era a minha primeira vez, e por me conhecer, talvez querendo impressionar bem o amigo, caprichou na entrevista, caprichou tanto que não fez uma única pergunta semelhante àquelas que eu havia exercitado. A situação era muito constrangedora, pois além de ser inexperiente, ainda precisava manter a pose diante daquela amiga, que estava toda orgulhosa mostrando sua competência. Durante todo o tempo procurava me mostrar tranqüilo, com aquele sorriso amarelo e tentando, sem sucesso, prestar atenção na minha própria voz. Depois de ouvir a entrevista, tive a sensação de que aquela foi uma conversa de malucos, já que quase metade das perguntas que ela me fez foi respondida como se o assunto fosse outro, completamente distinto. Conclui que por estarmos os dois muito nervosos, ela se preocupou tanto em perguntar que se desligou das minhas respostas, e eu me preocupei tanto em responder que não ouvi bem as perguntas. Como nunca ninguém me procurou para fazer comentários a respeito, creditei o fato na conta do aprendizado e nunca mais me esqueci daquela manhã. Não me lembro das perguntas, nem das respostas, mas jamais me esquecerei do meu nervosismo e da minha insegurança. Hoje, quando preparo alunos para dar entrevistas e eles revelam que estão nervosos por causa da falta de experiência, sei exatamente o que estão dizendo. Posso assim, dar toda orientação técnica de que precisam e mais, minha solidariedade e compreensão de um companheiro que já percorreu os mesmos caminhos. Minhas sugestões são bastante simples: ao dar uma entrevista, procure conversar com o entrevistador com a maior naturalidade que puder, como se não estivesse sendo entrevistado, você ficará muito satisfeito com o resultado. Embora essa tenha sido a experiência de um marinheiro de primeira viagem, e mesmo sabendo que com muita prática outras situações embaraçosas possam surgir, de maneira geral, a vida de um entrevistado não é tão complicada.

O jornalista deseja apenas fazer bem o seu trabalho

Salvando as exceções, como é preciso fazer em todas as atividades, ao entrevistar o jornalista não tem intenção de prejudicar ou de favorecer o entrevistado. Se ele o procurou é porque imagina que você tenha alguma informação relevante. Talvez você seja o foco do tema e a entrevista se circunscreva praticamente à conversa que tiverem. Pode ocorrer também que você seja um especialista em determinado assunto e ele deseje colher subsídios para completar as informações que possui; ou obter aval de sua autoridade para dar mais credibilidade à matéria que já está pronta; ou para contrapor uma opinião de um outro especialista e evitar que apenas um ponto de vista seja considerado. Portanto, a não ser que o assunto seja muito grave e você se encontre no olho do furacão, uma entrevista não deve ser motivo de preocupação, ao contrário, precisa ser vista como uma ótima oportunidade para valorizar e projetar sua imagem ou da instituição que esteja representando.
Não caia na armadilha de pensar que ao se fazer de difícil irá impressionar bem o jornalista. Algumas pessoas, para se mostrarem ocupadas e importantes, dizem que estão muito atarefadas, com a agenda lotada e não atendem prontamente o jornalista. Essa atitude não passa de uma demonstração de ingenuidade. Quanto mais rapidamente você puder atender o jornalista, melhor. Independentemente de ser um profissional da imprensa escrita ou falada, provavelmente, ele estará correndo para completar a matéria e, se você o receber logo, ampliará suas chances de ser incluído na reportagem. Não significa que sendo pronto e ficando logo à disposição do jornalista as informações sejam necessariamente favoráveis a você, mas que será mais simpático, será.
Portanto, de maneira geral, as entrevistas se desenvolvem de forma natural e num clima de bastante tranqüilidade. Você falando sobre o que conhece e tendo a chance de projetar bem sua imagem, e o jornalista colhendo as informações que precisa para se desincumbir de suas tarefas.

Conheça bem o tipo de programa ou veículo que o entrevistará

Antes da entrevista procure se inteirar o máximo possível das características do jornalista ou do entrevistador e do tipo de programa ou veículo que o entrevistará. Procure saber também qual é o perfil dos ouvintes ou dos leitores.
Lembre-se de que o entrevistador ou o jornalista será o filtro por onde passará sua mensagem. Assim, você conseguirá falar do livro que estiver lançando, do projeto que desenvolveu, do produto que fabrica, se tiver essa espécie de licença de quem o entrevista. Por isso, sua linguagem deverá ser apropriada para o entrevistador ou jornalista e para o público da emissora ou do veículo. Por exemplo, se você falar sobre economia para um entrevistador ou jornalista sem conhecimento técnico do tema, deverá ter o cuidado de “traduzir” as expressões técnicas para uma linguagem que possa ser compreendida por uma pessoa leiga. Se quem o entrevista não estiver bastante familiarizado com o tema, poderá entender mal as informações e divulgá-la também de maneira incorreta. Ao contrário, se você falar com um jornalista setorista, especializado no assunto e, portanto, familiarizado com as expressões técnicas, além de compreender perfeitamente as informações que você transmite, por conhecer bem o público da sua emissora ou veículo, saberá da necessidade de modificar ou não a linguagem.
Para obter essas informações bastará ler algumas matérias produzidas pelo jornalista ou assistir a algum programa de rádio ou televisão do entrevistador.

Surpresas aparecem

Quando lancei meu último livro Fale muito melhor, graças à ação eficiente da Valéria Zanocco, responsável pela comunicação da Editora Saraiva, surgiram excelentes oportunidades de entrevistas. Já estava agendada a gravação no programa do Jô Soares e combinado que eles me buscariam em casa por volta das seis horas da tarde. Entretanto, a produção do programa do Clodovil também entrou em contato para marcar uma entrevista naquela mesma tarde. Eu tinha interesse em participar dos dois programas por causa da boa audiência, mas por uma questão de responsabilidade disse que só poderia ir ao programa do Clodovil se pudesse ser entrevistado logo no início da tarde, por volta das duas e meia, três horas. Concordaram e antes do horário combinado eu já estava na emissora. Lá me encontrei com uma querida amiga, Mara Behlau, uma das mais importantes fonoaudiólogas do país, e com quem já havia participado de vários eventos, como a jornada de comunicação em Cuiabá, o primeiro congresso internacional de laringologia e voz realizado no Rio de Janeiro e o segundo em São Paulo, dirigidos por ela. Por isso, além do relacionamento profissional, desenvolvemos também uma excelente afinidade pessoal. Enquanto aguardávamos o momento da entrevista ficamos na sala de espera pondo os assuntos em dia. Lá pelas três e tanto, como ninguém se manifestava sobre a nossa entrevista, procurei o pessoal da produção do programa para alertar mais uma vez que eu tinha um compromisso importante logo mais à tarde, e como havíamos combinado minha participação deveria iniciar o mais breve possível. Disseram para que eu ficasse tranqüilo que logo seria chamado. Às quatro e quinze eu disse a Mara Behlau que não poderia esperar mais e que iria me retirar. Mara avisou à produção do programa sobre a minha decisão e imediatamente nos levaram para o estúdio. Não sei se foi por causa dessa pressão ou porque o Clodovil é mesmo assim, mas a entrevista foi uma verdadeira provação. Ele simplesmente me ignorou e só falou com a Mara. Por ser minha amiga e me conhecer bem, ela tentou mudar o rumo da conversa dizendo ao apresentador que eu era um autor renomado de livros, que era um profissional muito experiente na área da comunicação, que várias personalidades já haviam requisitado meus serviços como professor, mas era como se ela não houvesse dito nada, pois ele continuava a conversa como se eu não estivesse presente. Até a produção do programa ficou incomodada e passou a sugerir pelo ponto eletrônico que ele me incluísse na entrevista. Ele não só não me incluiu como respondeu no ar à produção que ele gostava muito da Mara e queria continuar só conversando com ela. Nunca na minha vida eu havia passado por momentos como aqueles, completamente ignorado pelo entrevistador e com outro compromisso importante para atender.
Pensei em levantar-me e abandonar o programa, mas conclui que essa atitude poderia prejudicar minha imagem, pois, com certeza, muitos telespectadores que me conheciam estavam aguardando para ver como me sairia daquela enrascada. Eu sabia também que se quisesse falar do meu livro, que era o objetivo da minha presença no programa, deveria antes conquistar o interesse do entrevistador, para depois sim, com a autorização e até com a ajuda dele, me dirigir aos telespectadores com minha mensagem. Usei uma tática bem-sucedida. Num determinado momento surgiu a oportunidade para eu dar a opinião sobre um assunto bastante simples sobre comunicação, e o meu comentário foi tão óbvio que não haveria possibilidade de ser contestado. Pois não é que o Clodovil, querendo me desafiar de maneira ostensiva, discordou! Essa foi a minha chance de conquistá-lo. Em vez de tentar um contra-argumento, com sinceridade fiz uma observação sobre a atitude que ele havia tomado. Mais ou menos com essas palavras, eu disse: Sabe Clodovil, quando alguns amigos souberam que eu viria ao seu programa, me alertaram para que eu tomasse cuidado, pois você às vezes deixa o entrevistado em situação delicada, mas agora vejo que suas intervenções tornam o programa mais interessante. Por exemplo, nesse assunto que estamos discutindo, o fato de você discordar me obriga a encontrar outros argumentos para sustentar minha forma de pensar.
Com isso a entrevista sai de qualquer plano que eu pudesse ter idealizado e toma rumos inesperados, o que com certeza estimula o telespectador a acompanhar. Essas minhas palavras foram uma doce melodia para os ouvidos do apresentador, pois a partir daquele momento pediu que eu falasse do meu livro, do meu trabalho, das minhas palestras e disse que gostaria de me convidar para participar de outros programas. Se eu tivesse aberto confronto com ele, provavelmente o objetivo da minha entrevista não seria atingido.

Dissimulação, pressão, ingenuidade e vaidade

O jornalista experiente sabe como ninguém usar de forma nem sempre explícita ou de pressão para se aproveitar da ingenuidade ou da vaidade do entrevistado. A revista Isto É resolveu entrevistar os alunos da nossa escola para verificar quem teria interesse em se candidatar a algum cargo político depois de concluído o curso. O jornalista fez as entrevistas todas que desejava e durante o cafezinho, quando todos imaginavam que seu trabalho estava terminado, como quem não quisesse nada, foi conversando sobre amenidades com os alunos, e um deles, ingenuamente, revelou que na cidade do interior de Goiás em que ele estava se candidatando ao cargo de prefeito, era preciso tomar muito cuidado, pois lá até crianças e defuntos votavam. Não deu outra – a chamada para aquela entrevista trazia a foto do aluno com o seguinte comentário: Para fulano de Tal, na cidade em que é candidato até crianças e defuntos votam. Ele tentou reclamar, mas acabou reconhecendo que havia mesmo passado aquela informação e que foi muito ingênuo por não ter percebido que estava diante de um jornalista em busca de notícias.
Quando eu soube que seria entrevistado para as páginas amarelas da Veja não acreditei. Pensei que fosse um trote, tanto que liguei para a redação para confirmar. Ser entrevistado nas páginas amarelas da Veja deve ser o sonho da maioria das pessoas, pois é uma espécie de coroamento profissional. Naquela mesma semana recebi a jornalista para a entrevista e a primeira pergunta que ela me fez foi quanto eu ganhava por mês. Entre chocado, perplexo e incrédulo eu lhe disse que essa não era uma questão que deveria ser tratada. Sabendo que eu estava com muita vontade de dar a entrevista, ela jogou com minha vaidade e disse: então não será possível fazer a entrevista. Fiquei contrariado, mas sabendo que se alguém não deseja ver uma informação publicada não deve mencioná-la, confirmei: sinto muito, mas se depender desta informação para que a entrevista seja feita, ela não será realizada. Ela olhou firme para mim e tentou mais um golpe: nesse caso vou inventar um número e dizer que você o revelou. Sem a menor preocupação eu a contestei: tenho certeza de que você não fará isso. E ela reagiu: como você sabe que não? Minha resposta foi definitiva: você trabalha para a revista Veja e tenho convicção de que ela não se presta a esse tipo de publicação. Ela sorriu, esqueceu o assunto e fez a matéria, que por sinal foi excelente, mesmo sem a informação que ela tentou descobrir usando minha vaidade.

Se puder, ponha o jornalista no samba

Nem sempre o jornalista está envolvido com os aspectos da matéria que mais interessam a você. Por isso, se desejar que ele compreenda melhor algum aspecto específico do tema, procure fazer com que ele participe e sinta na própria pele o que você está pretendendo informar. Quando o jornalista Humberto Werneck me entrevistou para a revista Playboy, fez um trabalho investigativo excepcional. Conversou com cerca de vinte pessoas do meu relacionamento, desde ex-alunos, professores, amigos, parentes, e traçou um perfil completo da minha carreira profissional. Entretanto, senti que o benefício dos meus alunos, que era o de vencer a timidez para falar e sair daquele estado de desconforto que a maioria das pessoas sente quando precisa falar em público, não estava sendo levado em conta da maneira mais apropriada. Assim, aproveitei um dia em que ele compareceu para checar algumas informações e que a escola estava lotada e pedi que fosse até à tribuna para dizer algumas palavras diante da platéia. Ele se apresentou e se saiu muito bem, mas me confessou depois que sua matéria havia sofrido profunda alteração depois daquela experiência, pois agora sabia exatamente o que as pessoas que procuravam meu curso sentiam. Foi a melhor matéria já feita sobre o meu trabalho, porque, provavelmente, o jornalista sentiu na própria pele as informações que transmitiu aos leitores.

Se puder, ajude o jornalista a perceber outros ângulos do assunto

A produção do programa Fantástico da Rede Globo me procurou para fazer uma matéria sobre timidez. Pediram para entrevistar alguns alunos e tomar alguns depoimentos. Concordei desde que os alunos não fizessem objeções. Marcamos um dia de aula para que pudessem conversar com vários deles. Montaram a parafernália toda, com luzes fortes, microfone, câmera e demais apetrechos que inibem até as pessoas mais experientes. No nosso auditório repleto de alunos começaram as entrevistas. A repórter pediu que um japonesinho, com cara de quieto e tímido, fosse até a tribuna para falar sobre tecnologia, e ele falou com tanta desenvoltura que parecia ter trazido o assunto pronto de casa. Em seguida ela convocou outro aluno para falar de amor e o resultado foi ainda melhor, e assim sucessivamente um se apresentando com mais eficiência que os demais. Depois de meia dúzia de apresentações de excelente qualidade, impotente, ela se voltou para mim dizendo: mas, aqui não há ninguém tímido? Eu, orgulhoso, respondi sorridente: havia, mas não se esqueça de que eles estão concluindo o curso e, portanto, já estão falando com muito mais segurança e desenvoltura. Sugeri a ela que mudasse o enfoque da matéria e falasse sobre a possibilidade que as pessoas têm de superar suas inseguranças para falar em público. A matéria foi emocionante, com alguns alunos brincando nos depoimentos que deram. Um deles disse que a vida inteira a família sempre perguntava a mesma coisa, quando ele iria se casar. Por isso, ele queria aproveitar agora que já não sentia tanta timidez, para dizer na frente das câmeras da Globo que a família ficasse tranqüila, porque agora com a confiança que havia adquirido para falar, facilmente conquistaria a namorada dos seus sonhos. Com certeza essa mudança na forma de abordar o tema tornou a matéria muito mais interessante.

Não se sinta boicotado

Não é porque você falou duas horas e só levaram ao ar alguns segundos da sua entrevista, ou depois de um dia inteiro conversando com o jornalista só foi publicada uma linha a seu respeito que você deverá se sentir boicotado e comece a recusar entrevistas. Essas situações podem ocorrer com todas as pessoas, até com personalidades renomadas. Sei que passar por circunstâncias semelhantes não é muito agradável, mas é preferível você sair em uma linha do jornal ou da revista e apenas alguns segundos na emissora de televisão ou de rádio, do que seu concorrente. Lembre-se ainda de que você dando entrevista terá chance de mostrar seu ponto de vista e apresentar seus argumentos para fortalecer sua posição. Se recusar, poderá ficar sujeito apenas às informações de terceiros a seu respeito ou da interpretação do jornalista. O mesmo programa Fantástico já havia me contrariado diversas vezes. Fizeram entrevistas longas que não foram ao ar, ficaram uma aula inteira entrevistando alunos e professores da nossa escola e quando o programa foi ao ar não mencionaram o nome de ninguém, só mostrando tomadas distantes, onde as pessoas não poderiam ser reconhecidas. Entretanto, em outras oportunidades, além do programa sobre timidez, que acabei de mencionar, fizeram uma ótima reportagem sobre comunicação, em que eu dava as dicas de como falar bem e eles intercalavam com exemplos de pessoas falando e agindo de acordo com minhas recomendações. Por causa da matéria tivemos excelente divulgação.
No lugar de ficar passando regrinhas de comportamento com a imprensa, julguei mais apropriado exemplificar com situações reais, que na maioria das vezes ensinam melhor do que a simples teoria. Espero que essas minhas histórias sejam úteis para as suas entrevistas.

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