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04 abr 2018

O melhor orador do Brasil

Eu não tive a felicidade de conhecer Joaquim Nabuco, o melhor orador do Brasil. Você poderia indagar: se você não conheceu, como pode saber que foi o melhor? Por relatos. Felizmente, gente que sabia fazer uma boa descrição deixou para a posteridade essas preciosas informações.

Mais importante ainda, sabendo como era a comunicação desse extraordinário orador podemos aprender muito e melhorar a nossa maneira de falar em público.

No seu livro ‘Oito anos de parlamento’, Afonso Celso descreve com rara habilidade as características oratórias dos parlamentares com quem conviveu. Um deles é Joaquim Nabuco.

A maneira como o autor comenta sobre os dotes oratórios de Nabuco é uma aula excepcional de comunicação, pois se trata de um modelo que, feitas as devidas adaptações para nossa época, pode ser observado como um ideal a ser atingido:

‘A figura de Nabuco formava por si só o melhor dos exórdios. Bastava assomar à tribuna para empolgar a atenção e a simpatia.

Muito alto, bem-proporcionado, a cabeça e o rosto de uma pureza de linhas escultural, olhos magníficos, expressão a um tempo meiga e viril, nobre conjunto de força e de graça, delicado gigante, Nabuco sobressaia em qualquer turba, tipo de eleição, desses que a natureza parece fabricar para modelo, com cuidado e amor.

A voz estridulava como um clarim; dominava os rumores; cortava, penetrante e poderosa, as interrupções. De ordinário, despedia rajadas, como um látego sonoro.

Não enrouquecia, antes, adquiria, com o exercício, vibrações cada vez mais metálicas e rijas. Voz de combate – a do comandante excitando os soldados, no acesso da batalha.

A gesticulação garrida, as atitudes plásticas de Nabuco contribuíam para a grande impressão produzida pelos seus discursos. Consistia um de seus movimentos habituais em meter dois dedos da destra na algibeira do colete.

Desses e outros gestos provinha-lhe vantajoso ar de desembaraço e petulância. Articulava sílaba por sílaba os vocábulos, sublinhando os mais significativos.

A tantos e preciosos predicados juntavam-se imensa verbosidade, vivaz imaginação poética, corroborada por aturados estudos literários, fértil em radiantes metáforas, entusiasmo, natural eloqüência, inspiração.

Nabuco, demais, sempre escolhia para tema assuntos levantados, problemas sociais, filosóficos e religiosos, de alcance universal. Fugia às polêmicas individuais, às intrigas da politiquice. Não se submetia à disciplina e às conveniências partidárias; desconhecia chefe.

…A imprensa abolicionista vivia a endeusá-lo. Tudo, em suma, cooperava para determinar e encarecer os seus inolvidáveis triunfos oratórios de então. Fascinava; os próprios adversários, que tamanhas superioridades irritavam, reconheciam-lhe e proclamavam-lhe o imenso valor.

Acorria gente de todas as condições, numerosas senhoras para vê-lo e ouvi-lo. As galerias o aclamavam.

Mal o presidente proferia a frase regimental: tem a palavra o senhor Joaquim Nabuco, corria um calafrio pela assistência excitada; eletrizava-se a atmosfera. A oração não tinha um curso contínuo e seguido: fazia-se por meio de jatos.

Nabuco disparava um pedaço mais ou menos longo, rematado por uma citação justa, uma bela imagem, um mot a la fin. Parava, descansava, consentia que se cruzassem os apartes e os aplausos.

Olímpico, sobrepujando a multidão com a avantajada estatura, manuseava vagarosamente as notas, sorria, os olhos entrefechados, refletia, aguardava a cessação do rumor, desprezava os apartes, ou levantava o que lhe convinha e, de repente, partia para novo arremesso.

Mal descerrava os lábios, restaurava-se o silêncio. Nem era possível detê-lo. Continuasse o ruído, e a portentosa voz, a vertiginosa dicção de Nabuco prestes o abafariam.

As perorações, de ingente sopro lírico, eram cuidadosa e habilmente preparadas. Para aí a imagem mais pomposa, a declaração de maior alcance, o gesto mais teatral provocavam estrepitosas ovações nas galerias.

Sentava-se Nabuco, e, durante minutos, ficavam os trabalhos virtualmente suspensos, enquanto não se esvaeciam as ressonâncias de seus possantes e mágicos acentos, repercutidos no que a inteligência e o coração possuem de mais elevado e sensível…’

Um espetáculo! Entretanto, se Nabuco hoje, com toda sua competência oratória, se apresentasse sem fazer as necessárias adaptações que o levassem ao encontro das características e das expectativas da sociedade atual, provavelmente, fracassaria.

Os microfones sensíveis permitem que oradores sem voz forte e portentosa se imponham diante de platéias numerosas.

A irreverência, a presença de espírito, a comunicação mais solta e ligeira, o conteúdo quase sempre mais superficial e menos refletido, que sucumbiriam naquele cenário dominado por Nabuco, hoje encontra eco nas platéias acostumadas à superficialidade das mensagens televisivas.

Alguns segmentos da população, em determinadas circunstâncias, se envolvem mais pela forma do que pela profundidade do conteúdo. É a rapidez, a velocidade, a valorização cada vez mais acentuada das imagens que determinam o gosto, a preferência, a expectativa e a receptividade das platéias atuais.

Não nos cabe neste estudo da comunicação criticar ou censurar o comportamento das sociedades em qualquer época, mas sim analisar e constatar seu perfil para que a arte de falar em público possa se adaptar a cada momento e, a partir dessa compreensão, ser apropriada e eficiente.

A própria linguagem de Afonso Celso poderia parecer rebuscada e demasiado sofisticada para algumas platéias dos dias de hoje. Para ser bem aceita precisaria passar por atualização e adaptações.

 

Não serei eu, entretanto, que me atreverei a fazer essa mudança. Minha consciência diz que mexer em um texto como esse seria imperdoável.

 

Superdicas da semana:

– Aprenda com os exemplos dos grandes oradores

– Aprenda com os exemplos, mas não perca seu próprio estilo

– Analise sempre se sua linguagem está de acordo com época

– Faça adaptações para ir ao encontro dos anseios e do gosto das platéias

 

Livros de minha autoria que tratam desse tema: “Como falar corretamente e sem inibições” e “Superdicas para falar bem” (também em audiolivro), publicados pela Editora Saraiva.

 

Convite especial: Dia 20 de agosto, às 19h, vou ministrar palestra para o lançamento do meu novo livro “Oratória para advogados e estudantes de direito”. O evento será na OAB – SP, que deu a chancela e a recomendação expressa para a obra.

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