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04 mar 2018

O que reluz pode ser ouro

Reinaldo Polito

Conheço muita gente que desenvolveu o hábito de dizer não. Independentemente da proposta que recebem reagem sempre com um não. Você quer fazer um negócio? Não. Você quer ganhar dinheiro? Não.

Houve uma época em que eu também havia adotado essa tática. Para tudo o que me propunham, a resposta era sempre não. Só se o interlocutor insistisse com argumentos irrefutáveis, eu passava a ponderar sobre as vantagens do negócio. Devo ter perdido boas oportunidades por causa desse comportamento.

Talvez você esteja pensando que essa atitude radical também pode ter me tirado de algumas enrascadas. Nunca vou saber. Embora hoje tenha consciência de que teria agido melhor se não tivesse dito sim em certas oportunidades.

O problema não está em dizer não ou sim, a questão que deve ser considerada é a precipitação em dar uma resposta sem avaliar com cuidado a proposta, só por desconfiança.

Entre os diversos motivos que me ajudaram a mudar de atitude e deixar de ser tão desconfiado está uma história curiosa que teve a participação do meu amigo Oduvaldo Silva.

Em uma das viagens que fiz ao exterior, antes da era iPod, o Oduvaldo me pediu que comprasse um rádio portátil de não sei quantas bandas para presentear o pai.

Assim que pus os pés em Nova York, para tirar logo a obrigação da cabeça, fui rapidinho a uma das inúmeras lojas de eletrônicos na 5ª Avenida. Quase caí duro de susto quando o vendedor me disse que o aparelho custava a “bagatela” de US$ 200.

Mas, como já levei muitas bastonadas com histórias semelhantes e aprendi que essas coisas enroscam a viagem, resolvi comprar e deletar o assunto. Mesmo sabendo que deveria ser mais um brasileiro portando identificação de otário naquele mundo em que o comércio é tocado por espertalhões.

Eu e minha mulher programamos a viagem com bastante cuidado para aproveitar bem o tempo e não gastar muito. Pelo roteiro que havíamos traçado, nossa próxima parada depois de Nova York era Buffalo, na divisa com o Canadá. Passaríamos por Chicago e regressaríamos a Nova York antes de voltarmos ao Brasil.

Como havíamos planejado retornar ao mesmo hotel em Nova York, o bom senso nos recomendou que deixássemos no “locker” uma mala grande com roupas usadas e todos os objetos de que não iríamos precisar. Ao chegar a Buffalo, descobrimos que no corre-corre havíamos feito uma tremenda besteira – levamos a mala trocada! Tudo o que era desnecessário estava conosco e o que seria útil para a viagem ficara no hotel.

Empreendemos uma correria para comprar cuecas, calcinhas, escovas de dente e demos uma ajeitada na situação.

Ah, essa era a época em que eu usava o não a torto e a direito. Ao chegarmos a Chicago, a recepcionista do hotel nos disse que poderíamos aproveitar uma excelente oportunidade. Como era fim de semana, se ficássemos em uma ala diferente daquela que havíamos reservado, teríamos um desconto de quase 50%. Bem, um descontão desses para quem viaja com a grana contadinha não é de se desprezar.

Mas, como eu era bem desconfiado, disse à minha mulher, Marlene: sei não, isso não está me cheirando bem. É mamata demais, ainda por cima partindo de americanos. Vai ver que o quarto é um pardieiro lá no fundo com algum tipo de desconforto.

Em todo caso, achei que valia a pena fazer uma “auditoria” no local. Pareceu tudo em ordem e, para minha surpresa, bem acima de qualquer expectativa.

Lá pelas 2 horas da madrugada, ouvi uma música que tocava bem alto. Comecei a ficar irritado e comentei com a minha mulher: “Eu não disse que havia alguma armação? Puseram a gente nesse quarto em cima de alguma danceteria e vamos agüentar este barulhão a noite inteira”.

Eu já estava pegando o telefone para reclamar com o hotel, mas resolvi ouvir melhor de onde vinha o som e descobri que não era de nenhuma danceteria – ele saia de dentro da mala. Provavelmente, com os deslocamentos da bagagem de um lado para o outro, o bendito rádio de US$ 200 que eu havia comprado para o Oduvaldo começou a funcionar sozinho e a produzir aquele barulho.

Depois de rir e me divertir muito com aquele engano provocado pelo que prejulguei apenas com base em minhas próprias experiências de um bom desconfiado, passei a refletir melhor a respeito dos inúmeros erros aos quais somos induzidos por não analisarmos de maneira conveniente as propostas que nos são feitas e por termos olhos limitados apenas para o que está em nossa frente.

Analise se não incorremos em enganos semelhantes no nosso dia-a-dia. Talvez, sem nos darmos conta, perdemos ótimas chances em inúmeras atividades. Quando participamos de reuniões na empresa, negociamos com clientes e fornecedores, discutimos projetos, às vezes, por prejulgarmos os fatos e analisarmos as questões somente por alguns ângulos que nos interessam ou que nos sejam familiares, podemos não perceber que talvez sejam distintos de como os concebemos em nossa imaginação.

Assim como um quarto oferecido por preço muito menor pode ser bom, também uma proposta estranha às nossas convicções poderá ser valiosa. Afinal, o que reluz também pode ser ouro.

E para concluir a história do radinho.

No dia seguinte ao nosso retorno ao Brasil, a primeira atitude que tomei foi levar o rádio para o Oduvaldo.

Entretanto, antes de entregar, tive um pressentimento e perguntei quanto ele imaginava ser o preço do radinho. Ele deu uma coçada na cabeça, fez uns cálculos em voz alta e disse: bem, se o Venezuelano comprou no free shop, onde os preços não são tão acessíveis assim, por US$ 65, lá em Nova York você não deve ter pagado mais do que US$ 34, US$ 40.

Fiz um grande esforço para não demonstrar nenhuma reação e dei a boa notícia ao meu amigo: “Nem uma coisa nem outra, você não vai pagar nada, esse rádio é um presente”.
E assim aquele belo desconto que conseguimos em Chicago foi junto com o radinho do meu amigo Oduvaldo.

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