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04 mar 2018

O vício de reclamar

Reinaldo Polito

João Carlos é um espalha-roda. Assim que se aproxima, a turma vai encontrando um jeitinho de cair fora. Ninguém agüenta mais ouvir suas lamúrias, pois se transformou num viciado em choramingar.

Se você estiver ao lado dele, talvez agüente uma choradinha, duas, até três. Mas, como ele não consegue se conter, garanto que na primeira chance você também baterá em retirada. João Carlos é incansável, três choradas são suficientes só para aquecimento. Todo santo dia ele encontra algum motivo para reclamar.

Uma hora a vítima é o governo que, segundo ele, está sempre aumentando os impostos, ou caprichando sem perdão nas obscenas taxas de juros, que se transformam em obstáculo para o desenvolvimento econômico.

Pouco depois o alvo muda de direção e ele passa a descer o cacete nos responsáveis pela falta de emprego que, também de acordo com suas profundas reflexões, é a causa maior do aumento incontrolado da criminalidade e das mazelas sociais.

E quando você pensa que o estoque se esgotou, o resmungão abre outro compartimento de nhenhenhém e se volta contra ele mesmo dizendo que o tempo ficou muito curto e não consegue dar conta do recado, pois as 24 horas do dia são insuficientes para cumprir todos os seus afazeres.

Mas, como se especializou na arte de reclamar, passado um tempinho, complementa o comentário dizendo que por ter trabalho demais não consegue pelo menos um momento de lazer para se divertir.

Você pensa que termina por aí? Que nada. Num piscar de olhos encontra outros bons motivos para vociferar e espinafra a demasiada liberdade das mulheres. Por outro lado, os paletós também não lhe escapam e ele alerta que os homens continuam grosseiros, sem educação e chauvinistas.

Pois é, João Carlos fez do chororô sua marca registrada. Desenvolveu enorme facilidade para reclamar de tudo e de todos. Dá para dizer que ele se esmerou tanto nessa arte de chorar com os olhos sem lágrimas, que nem precisa de platéia para reclamar. Desconfio que resmunga até quando está sozinho, sem ninguém por perto. Por isso, as pessoas fogem dele como o demônio foge da cruz.

Antes que você me critique por cair de pau sem dó em cima do João Carlos, aviso que tenho consciência de que não devemos nos iludir pensando que a vida seja possível sem problemas. Sei que eles acompanham o homem desde que o mundo é mundo e continuarão a nos rondar enquanto estivermos respirando.

Sei que a vida é assim porque presenciei reclamações ainda dentro de casa. É possível até que a minha história pessoal seja muito parecida com a que você também presenciou. Mesmo nas boas famílias sempre tem alguém chiando por algum motivo.

Quando eu era criança já ouvia meu bisavô esbravejar contra a situação do país. A velha cartilha foi adotada pelo meu avô que entoou o mesmo cântico das avaliações negativas. Meu pai correspondeu com louvor ao DNA. Eu fiz minha parte para preservar a herança familiar. E para minha surpresa, se não bastassem meus quatro filhos resmungões, agora já posso contar com a Letícia, uma neta que nos primeiros aninhos ensaia suas primeiras esperneadas.

Portanto, sei muito bem que reclamar faz parte da vida de todos nós. Uma resmungadinha de vez em quando, talvez até ajude a movimentar o organismo e a dar mais liberdade ao espírito. Mas, daí a nos transformarmos num João Carlos e passar a existência ruminando desgraça vai uma longa distância.

Quando o chororô vira mania, escapa do controle, deixa de se restringir aos limites caseiros, ultrapassa fronteiras e se transforma num tipo de praga que vai se alastrando por onde passa.

A doença pega. Quem der ouvidos às carpideiras, dia mais cedo, dia mais tarde, começa a fazer parte do time. Sem perceber, se transforma em arauto das desgraças da vida.

Fico atento o tempo todo porque, como já confessei há pouco, não sou apenas um simples observador dessa agremiação de choramingueiros. Vez ou outra sinto que também mereço umas penitências, pois vacilo e me pespego reclamando só por reclamar.

Por isso ao falar sobre esse assunto me junto a alguns leitores e começo a analisar melhor minha maneira de agir. E antes mesmo de encerrar já estou ajoelhando no milho por causa de algumas atitudes condenáveis que adotei em épocas bem recentes.

Se você quiser, eu topo entrelaçar as mãos para juntos darmos um xô, satanás e mandar para bem longe o vício de só cultivar lamentações. A vida nunca foi e jamais será feita só de flores perfumadas e notícias boas, mas, se quisermos, poderemos pôr um pouco mais de luz na escuridão e enxergar um futuro melhor.

Que tal começar agora? Se o que o aborrece é o excesso de trabalho, pare para pensar naqueles que perambulam dia após dia na esperança de encontrar um emprego e retornam desanimados pelas buscas malsucedidas.

Reflita também no fato de que trabalhar mais ou menos talvez dependa só da sua decisão e do que você deseja da vida. Para a falta de tempo, sempre haverá um jeito de organizar com mais sabedoria suas atividades diárias e se dedicar àquelas que sejam prioritárias.

Tenho quase certeza de que você se surpreenderá com a quantidade de afazeres que poderá ser adiada. De maneira geral, quem reclama da falta de tempo nunca se preocupou em delegar algumas de suas tarefas.

Experimente delegar, mas, em benefício da sua qualidade de vida, não exija que as outras pessoas sejam tão eficientes quanto você. Quem sabe você descubra que, mesmo sem a sua competência, alguém poderá dar conta do recado, que a vida seguirá seu rumo e que as 24 horas cabem em um só dia.

Como primeiro passo para viver melhor, analise o jeito como você atende ao telefone. Se depois do alô, você disser que “a vida está na correria de sempre” para responder à pergunta de “como vai?”, mude de faixa e toque uma música diferente.

Não pense que as pessoas ficam preocupadas porque você está trabalhando demais e vive o tempo todo ocupado. O mais provável é que mesmo sem dizer nada estejam censurando: xi, lá vem ele de novo com aquela choradeira de sempre.

Não vacile, porque sem nos darmos conta, somos atacados por essa praga do chororô, passamos a agir como o nosso amigo João Carlos, e de um momento para outro ela contamina nossa comunicação.

Por isso, se você perceber qualquer vontade de reclamar sem motivo, faça figa, meta um galho de arruda na orelha, espalhe um pouco de sal grosso e mande o chororô perturbar em outra freguesia.

Aproveite este texto e o encaminhe para aquele seu conhecido resmungão. Quem sabe ele não muda de atitude? Para fazer isso, basta ir ao final da tela, logo depois das “Superdicas da semana”, e clicar no link “Envie por e-mail”, no canto direito, bem lá embaixo.

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