< Página Anterior

04 abr 2018

Para se livrar das visitas indesejáveis

Gosto de receber visitas. Também gosto de visitar meus amigos. Imagino que trago esse jeito de me relacionar com as pessoas da época em que vivi em Araraquara, no interior de São Paulo. Ali era comum as pessoas se visitarem. Mesmo assim, por mais que eu goste de conversar com as pessoas algumas são verdadeiras malas duras de agüentar.

Você já recebeu aquela visita indesejável, que não tem um mínimo de semancol? Chega para bater papo exatamente na hora em que a seleção brasileira de futebol acaba de entrar em campo para disputar uma partida da copa do mundo contra a Argentina, ou no momento de passar o último capítulo da novela, ou na véspera da data fatal da entrega da declaração do imposto de renda, em que a papelada está toda sobre a mesa.

E sem o mínimo de escrúpulo ainda comenta:
– Se tem uma coisa que detesto é futebol, não sei que graça vocês acham em ver 22 marmanjos correndo atrás de uma bola. Ou, as novelas são todas iguais, se assistir ao primeiro capítulo já sabe como vai terminar. Ou, por isso que faço a declaração logo no começo, quando chega no final do prazo já estou tranqüilo.

Chega, sem preocupações com cerimônias, vai abrindo a geladeira, pegando uma cerveja, dá uma resmungada porque ela não está tão bem gelada e passa a encher a paciência de todo o mundo com relatos de doença da família ou da sua última viagem à praia (grande!).

Fala dos filhos, dos outros, porque os seus só merecem elogios, pois são os mais inteligentes, preparados e injustiçados; comenta sobre o último crime, ocorrido há um mês, que a imprensa noticiou exaustivamente todos os dias, como se fosse a maior novidade do mundo.

Você é educado, não tem o que fazer a não ser cruzar e descruzar as pernas, tentar mudar de assunto, falando do jogo que está duríssimo, da novela, pois estão para revelar quem é o assassino, ou do imposto de renda, dizendo que os cálculos não estão batendo e que faltam documentos.

Mas, qual o quê!, é como se você não tivesse falado nada – assim que faz uma pausa para respirar, ele aproveita o descanso do diafragma e retorna ao ponto e continua firme, de onde parou, revendo alguns detalhes que havia esquecido.

Último recurso – você vai até à cozinha, põe uma vassoura virada para cima atrás da porta e joga com os olhos fechados, e muita esperança, três pitadas de sal, implorando que aquele chato se levante e vá perturbar em outra freguesia.

Antes de voltar, repete a operação com outra vassoura e um sal mais grosso, só para garantir o resultado da bruxaria. E, quando retorna, não acredita no que está vendo: ele está olhando para o relógio e se levantando.

Mas, como desgraça pouca é bobagem e alegria é passageira, o ilustre visitante vai para o lugar de onde você veio, para a cozinha, pegar mais uma cervejinha, e agora sem reclamar, pois está, segundo o comentário do especialista intrometido, estupidamente gelada.

Você pode estar pensando que eu não tenho pulso firme e que a minha personalidade é frágil e por isso fico agüentando esse tipo de mala especial. Posso garantir que de maneira geral sou firme. Falo o que precisa ser dito, sempre procurando evitar bicos, de maneira diplomática, mas falo. Mas nem todas as malas são iguais, algumas são feitas sob medida, personalizadas.

Se você está pensando que existe uma regra infalível que mostre como é que se livra desse tipo de gente, sem deixar seqüelas, se enganou. Eu também estou à caça dela. Mas também não vou dar uma de Oswaldão. Oswaldo é o nome do meu barbeiro. Simpático, cheio de prosa. Não é daqueles que, quando pergunta como é que você deseja o corte, sua vontade é dizer:
– Em silêncio.

Uma vez, entretanto, ele deu uma derrapada feia. Começou contando a história de um filme a que tinha assistido na noite anterior – é evidente que não perguntou se eu tinha assistido ou não, esses detalhes insignificantes são sempre dispensados – e eu fui ficando interessado no seu relato, muito curioso para saber como é que tinha terminado.

Em determinado momento fez uma pausa, que foi se prolongando demasiadamente, e quando a minha ansiedade ultrapassou o limite do silêncio, perguntei:
– E aí, Oswaldo?
– E aí o quê?
– Como foi que terminou o filme?
– Ah, rapaz, sabe que chegou uma hora que eu estava com tanto sono que acabei apagando.
– E como é que você tem coragem de contar um filme que não tem fim?
– É só para passar o tempo.

Pratique a tática do Dr. Cambraia. Para não dizer que passei em branco, posso contar rapidinho a história do Dr. Cambraia. Ele era um advogado muito competente, especializado em falências e concordatas e vivia com o escritório abarrotado de trabalho.

Era alto, magro, olhos inteligentes disfarçados pelas lentes grossas dos óculos e sem paciência para ouvir uma sílaba do que não fosse necessário.
Certa vez, a empresa de um amigo estava passando por sérias dificuldades. Se pintasse um soprinho mais forte, quebrava.
Recomendei o Dr. Cambraia.

Depois de algum tempo, ao voltar de uma viagem de negócios prolongada, procurei o meu amigo para saber como estava a situação. Ele disse que tinha contornado os problemas mais graves e que o Dr. Cambraia era uma figura incrível.

Eu, orgulhoso, disse que tinha certeza da competência do advogado, por isso o havia indicado. Meu amigo sorriu e explicou melhor o que pretendeu dizer:
– Ele é incrível também como advogado, graças a ele hoje já consigo respirar um pouco mais aliviado, mas estou me referindo à outra característica.

– Qual?
– Bem, no começo estranhei um pouco, mas depois me acostumei. Quando ia visitá-lo para discutir alguma questão, ele me cumprimentava, perguntava qual era o problema, ouvia o que precisava para entender a essência da mensagem, e, ainda de pé, porque não tinha se sentado, nem me convidado para sentar, estendia o braço e dizia – já entendi, aguarde notícias, até logo e passar bem. Virava as costas e sumia dentro do escritório.

E o engraçado é que nunca fiquei bronqueado, porque percebi que não era nada contra mim, e sim o jeitão dele.
E se ficasse chateado também não adiantaria nada. Ele não se incomodaria.
O caminho é esse, se passar dos limites, dê um Cambraia nele. E espere os deuses do Olimpo se voltarem enraivecidos contra você.

Também poderá ser mais “sutil”. Se der duas da manhã e ele, ainda folgadão, pedir mais uma pedrinha de gelo para o uísque, levante-se discretamente, vista o pijama e diga para não esquecer de bater a porta ao sair. É brincadeirinha, são só umas vontades que aparecem de vez em quando.
Mas não tem muita alternativa, mala é mala, ou você agüenta ou despacha.

Visitar mala também é jogo duro. Se receber a visita do mala é desconfortável, visitar um também não fica atrás.
No meu livro Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação, reproduzi um fato narrado pelo jornalista Heródoto Barbeiro, quando paraninfou uma das turmas do nosso curso de Expressão Verbal, sobre uma visita que o governador de São Paulo, Adhemar de Barros, fez a uma cidade do interior paulista.

Cansado da viagem, debaixo de um sol muito forte, daqueles que racham mamonas, ao perceber que o prefeito se preparava para ler um volumoso discurso para homenageá-lo, não titubeou, arrancou os papéis das mãos do assustado orador e disse com voz triunfante e ao mesmo tempo condescendente: não se dê ao trabalho. Deixe que eu o leia com tranqüilidade no aconchego do meu lar.

Outros brincam e acabam fazendo o que querem. Fidel Castro é famoso também pelos seus longos discursos – chegou a falar sete horas e meia sem parar. Quando esteve discursando em uma reunião da ONU, ao chegar à tribuna onde estavam instaladas três lâmpadas com cores diferentes – verde para indicar o tempo livre; amarela para alertar que o tempo está terminado; e vermelha como aviso de que o tempo se esgotou -, retirou um lenço do bolso e, sorrindo, cobriu as lâmpadas.

Quis dizer com essa atitude que sua fama de falador era verdadeira e que aquelas lâmpadas não o obrigariam a ser diferente. Se ele fosse o prefeito, para Adhemar de Barros arrancar o discurso das suas mãos, talvez tivesse que sair no tapa.

Superdicas da semana:

– Fique atento às reações do corpo do seu interlocutor

– Se perceber que a pessoa está tamborilando a mesa ou dando tapinhas nas pernas saiba que é hora de encerrar a conversa

– Não faça visitas sem combinar

– Chegar atrasado é falta de educação, mas chegar antes da hora marcada pode atrapalhar a vida das pessoas

 

Se desejar conhecer outras dicas de comunicação entre no meu site  https://reinaldopolito.com.br/portugues/dicas.php?id_nivel=15

 

 

Livros de minha autoria que tratam desse tema: “Como falar corretamente e sem inibições”, “Oratória pra advogados” e “Superdicas para falar bem” (também em audiolivro), publicados pela Editora Saraiva.

 

Deixe um comentário

AULA DE APRESENTAÇÃO GRATUITA