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24 abr 2024

Seja um ótimo orador

Reinaldo Polito

A principal estratégia é a de falar como se estivesse conversando com a platéia, como se trocasse idéias com um grupo de amigos

O orador encerra a apresentação debaixo dos aplausos entusiasmados da platéia. Você é um dos ouvintes que se encantou com o resultado daquela exposição e vai para casa tentando descobrir os motivos de tanto sucesso. Num determinado momento você conclui que talvez ele tenha agradado o público porque é um tipo bonito, e dizem que a beleza física tem muita influência na aprovação da assistência. Essa história de que beleza não se põe na mesa é desculpa de gente feia. Mas, espera aí, há pouco tempo você assistiu a uma palestra, que foi até mais empolgante, e o orador não era lá nenhum Adônis. Por isso, não dá para dizer que o fato de ser um galã seja a causa do excelente resultado do palestrante que você acabou de aplaudir. Logo depois, você imagina ter encontrado a solução para suas indagações, todo mundo gostou porque ele dominava o assunto com profundidade. Hum, não sei não se dá para simplificar assim, afinal você tem o exemplo do seu colega de trabalho que só possui um leve verniz em termos de conhecimento, e, por falar muito bem está o tempo todo recebendo cumprimentos dos caciques da organização. Lógico que eu sei que não é inveja, fique tranqüilo, só estamos tentando descobrir os motivos que levaram o público a ovacionar o orador que você está analisando. Eureka, parece que finalmente você decifrou o enigma – ele conquistou tanta admiração por causa daquela voz irresistível de barítono. Será? Então como se justifica a existência de oradores que ficaram ou passarão para a história ostentando uma voz que está anos-luz de Plácido Domingos?! Esqueça possíveis preferências políticas e pense apenas nos milhões de votos conquistados por Jânio Quadros que possuía voz roufenha, e do Lula, que fala com voz arrastada, bombardeada madrugada após madrugada gritando em cima de caminhões nas portas das fábricas em São Bernardo.

Ficou com vontade de desistir? Calma, você está no caminho certo, pois os motivos podem ser esses que você acabou de mencionar, podem ser esses e mais alguns, e também pode não ser nada disso. Se você souber quais são os fatores que levam um orador a obter sucesso, além de conseguir fazer uma avaliação mais criteriosa e correta da comunicação, poderá melhorar o resultado das suas próprias apresentações.

Ingredientes mágicos

Como seria maravilhoso se pudéssemos vestir o manto de Merlin, juntar num caldeirão fumegante umas penas de pavão (imagino que o velho mago com aquela cara de vovô bonzinho não usaria unhas de urubu) com meia dúzia de qualidades da boa comunicação e tcham, tcham, tcham, surgisse um imponente Joaquim Nabuco para arrebatar o coração da platéia. Não, o processo não é tão simples assim. E também não fiz falsa propaganda. Por “ingredientes mágicos” eu quis me referir aos aspectos da comunicação que precisam ser considerados como base de um estudo sério e persistente, para que o resultado possa ser positivo em suas apresentações.

Levando em conta que você irá trabalhar bastante para que consiga brilhar como orador, os ingredientes mágicos que formarão o alicerce do seu preparo são: criação, planejamento, naturalidade, observação e performance. Eu poderia acrescentar mais uma dezena de itens nessa relação, mas vamos simplificar nosso estudo e analisá-los no contexto dos cinco principais que acabei de mencionar.

Criação

Vale a pena gastar um pouco a massa cinzenta para escolher bem o assunto a ser apresentado. O bom resultado de todos os demais requisitos para que você se desempenhe bem dependerá desse processo criativo. Se você não determinar de maneira correta qual o assunto que irá apresentar e os objetivos que pretende conseguir, provavelmente, também não será bem-sucedido diante da platéia. Embora estejamos falando em criatividade, você poderá se valer de métodos simples para disciplinar e cumprir esta etapa:

Fale sobre um assunto de seu domínio – quanto mais você conhecer o tema da sua apresentação, mais seguro e confiante se mostrará diante dos ouvintes. De maneira geral, os assuntos são amplos e permitem que você os delimite a determinados aspectos mais restritos. Se, por exemplo, a sua exposição fosse sobre o mercado financeiro. Essa matéria se compõe de diversos aspectos que poderiam ser selecionados de acordo com a intimidade que você tivesse com eles. Se estivesse mais familiarizado com os diversos tipos de financiamento, sendo possível, poderia restringir sua apresentação a esse aspecto. Da mesma forma, se estivesse mais preparado para falar sobre a evolução das taxas de juros no mercado internacional, se não encontrasse inconvenientes pelas características do evento, essa deveria ser sua opção. E assim, teria uma infinidade de escolhas pertinentes à sua experiência. Além de optar pelo aspecto do tema sobre o qual tenha mais conhecimento, procure também desenvolver o assunto fazendo associações com histórias e exemplos que você conheça muito bem e que guardem algum tipo de relação direta ou indireta com o objetivo da apresentação. Por exemplo, se você estivesse tratando dos diferentes tipos de financiamento, e soubesse como constituir uma empresa, poderia contar uma história de determinada companhia que se constituiu graças a um tipo específico de financiamento. Nesse caso, você discorreria sobre as diversas etapas para se constituir uma empresa, que é o assunto que você domina, e depois faria a ligação com os tipos de financiamento relatando um exemplo de uma organização que pode ser constituída por ter escolhido corretamente o empréstimo que necessitava.

Escolha um assunto apropriado para circunstância – De nada adiantaria falar de um aspecto do tema sobre o qual tenha total domínio se ele não fosse ao encontro das expectativas da platéia. Por isso, considere sempre que o público espera que você desenvolva temas do interesse dele, apropriados ao contexto e à circunstância da apresentação. Seja cuidadoso nessa pesquisa. Verifique quem são os ouvintes, qual é a formação intelectual predominante do grupo, se houve algum critério para que as pessoas fossem convidadas, que assunto foi prometido a elas e quais as informações que possuem sobre o tema. Normalmente, com pequenas modificações no assunto que você conhece bem é possível atender a essa expectativa dos ouvintes. Com um exemplo apropriado, uma ilustração, ou uma metáfora bem empregada, talvez você leve o tema bem próximo do que as pessoas estão desejando ouvir.

Cuidados especiais – Ao definir o assunto que irá apresentar, tenha alguns cuidados importantes, por exemplo, como revestir com uma roupagem nova e atraente informações que estejam ultrapassadas e já se mostrem desinteressantes. Nenhum assunto, por mais antigo e comentado que seja, deve ser descartado. Se você encontrar um bom ângulo de análise, ele parecerá novo, como se fosse uma mensagem inédita para a platéia. Procure desenvolver aspectos do tema que sejam inusitados para o público, pois ao sair do lugar comum e se afastar da mesmice conquistará mais facilmente a atenção das pessoas. E não abra mão do que vou sugerir agora, se tiver possibilidade de interferir na escolha da matéria a ser apresentada, fale sobre o que você mais gostar. É quase certo que, se você discorrer sobre o que lhe der prazer, seu desempenho encantará a platéia, pois demonstrará envolvimento, disposição, energia e vontade de falar com os ouvintes.

E sua mensagem será única, especial, particular.

Planejamento

Depois de determinar o assunto, planeje como será sua apresentação. Não acredite muito nas pessoas que dizem ser mais simples falar sem planejamento, pois poderá cair em uma armadilha sem volta. Ao organizar a seqüência da sua exposição e redigir as etapas mais relevantes que deseja cumprir, antes de enfrentar o auditório você terá condições de participar do seu próprio discurso como um observador, distante dos sentimentos que dominam o orador quando está em frente aos ouvintes. Poderá analisar o valor e o efeito de cada palavra, supor a reação da platéia, reestruturar os rumos da exposição, organizar com cuidado a ordem dos argumentos, ensaiar a defesa mais eficiente para as possíveis resistências do público, e, dessa forma, evitar surpresas desconfortáveis que teria quando já estivesse se apresentando.

Avalie bem como estarão os ouvintes assim que você chegar diante deles. Se as circunstâncias que cercam o evento farão com que estejam atentos e interessados no que você irá dizer, resistentes ou não com relação ao tema ou a você mesmo, se o vêem ou não como uma pessoa simpática e confiável. Essa reflexão mostrará o caminho que você deverá seguir desde o princípio para conquistar o público de maneira conveniente.

Estude que tipo de informação a platéia já possui sobre o assunto. Se perceber que as pessoas estão bem familiarizadas com os objetivos da apresentação, com os problemas que você pretende solucionar e com os passos que tem intenção de seguir, poderá informá-las de forma simples e até superficial sobre os rumos que irá tomar. Entretanto, se chegar à conclusão de que sabem pouco sobre o tema que irá abordar, precisará orientá-las com maiores detalhes sobre o que irá expor.

Construa uma linha de argumentação coerente e pense se os seus argumentos encontrarão objeções que precisam ser refutadas. Especialmente quanto ao tratamento que deve ser dado às objeções e à refutação, seu preparo precisa ser bem-feito. Evite se surpreender com as resistências da platéia na hora em que estiver se apresentando, pois, por mais experiente que você seja, poderá se desestabilizar e perder o controle da exposição. Portanto, não vacile, faça a lição de casa e chegue ao evento pronto para afastar qualquer tipo de objeção.

Escolha o melhor momento para finalizar a fala e opte pela conclusão mais eficiente, que possa levar o público a refletir ou agir de acordo com as propostas que você apresentar.

Observe que todas essas informações precisam ser criteriosamente planejadas para garantir o sucesso da sua exposição.

Converse com os ouvintes

Agora você já sabe qual o assunto apropriado para sua exposição, identificou os objetivos que pretende atingir, analisou as características dos ouvintes, ordenou com critério a seqüência da fala, chegou, portanto, o momento de se apresentar.

A estratégia para que você se saia bem é a de falar como se estivesse conversando com a platéia, como se trocasse idéias com um grupo de amigos. Essa maneira natural, espontânea de expor o assunto, poderá criar um vínculo emocional com as pessoas e conquistar a empatia delas. As possíveis barreiras normais entre o orador e o público se desfazem rapidamente com esse estilo mais solto de comunicação. Ao se apresentar usando suas próprias características, sem artificialismo, irá se sentir seguro diante da platéia porque saberá o que irá produzir com as palavras, mantendo um ritmo que já é velho conhecido seu. Você obtém assim dois benefícios, o de se sentir mais à vontade diante do público, e o de conquistar mais facilmente os ouvintes.

Por isso, antes de falar à platéia, procure conversar sobre o assunto o máximo que puder com as pessoas do seu relacionamento. Tenha em mente que a tarefa de escrever é totalmente distinta da atividade de falar. A pontuação, a cadência, a extensão das frases possuem um jeito todo peculiar tanto quando se fala, como quando se escreve. Na comunicação de estilo conversacional se permite com maior liberdade o uso de redundâncias, de repetições, da metalingüística, em que as perguntas são empregadas para certificar que o emissor e o receptor se valem do mesmo código para se comunicar. Por exemplo: Tudo bem? Certo? É nesse estilo também que aparecem em maior abundância os elementos de transição. Por exemplo: e aí então…, agora vamos verificar que… Assim como com mais freqüência as revisões. Por exemplo: acabamos de observar que… vimos há pouco que…

São as peculiaridades do estilo conversacional que irão aproximá-lo dos ouvintes, facilitando a transmissão da mensagem e o envolvimento com as pessoas. Não se esqueça, portanto, de treinar bem esse jeito livre de se expressar, conversando bastante sobre o assunto antes de se apresentar diante do público.

Observação

Por melhor que tenha se preparado e organizado a maneira de comunicar o assunto ao público, você só terá certeza de que agiu com correção depois que estiver falando com as pessoas no auditório. E ainda assim irá ter essa resposta se souber observar e fazer uma boa leitura da reação dos ouvintes. Esteja atento o tempo todo e pronto para fazer rápidas adaptações no momento em que estiver se apresentado. Sinais de desatenção, de desinteresse, de resistência devem ser identificados no momento que surgirem na platéia, e, sem hesitações, você precisará encontrar o novo caminho para retomar o controle, porque, se não for rápido e ousado para mudar e se reorganizar, provavelmente, estará deixando o público se afastar e perder a concentração em suas palavras.

Performance

Entenda por performance todo o seu desempenho diante do público. Sua postura, sua gesticulação, sua comunicação facial, a maneira como olha para os ouvintes, como se movimenta diante do grupo, como produz as pausas, como dá ênfase a determinadas palavras, como sorri, como consulta as anotações, como se vale dos recursos visuais. Tudo o que você aprendeu ao longo da vida irá participar desse cenário desafiador e instigante. Sua sensibilidade deverá indicar o momento de falar com mais emoção e qual será o limite desse sentimento para que continue em sintonia com o público. Sua experiência determinará qual o sentido que está sendo criado nos ouvintes quando sua mensagem entra em contato com a realidade deles.

Esse é o momento em que você deixa de se pertencer. Sua atuação será em direção aos objetivos que traçou, mas a maneira de se comportar diante do auditório seguirá um trajeto próprio, a partir da determinação de cada circunstância. Como disse meu querido e saudoso amigo Blota Júnior, um dos maiores oradores que conheci: “Ali está a sua platéia, ou fria, ou indiferente, ou inamistosa, ou expectante, ou fanatizada, ou enlouquecida. A partir do instante em que desfecha a palavra inicial, não mais se pertence ou se protege. Cabe-lhe enfrentar a incontrolável maré, e vencê-la. Por sua voz, e apenas pelo que fala, ou domina ou se perde. Ou convence, ou se frustra. Pela simples força de sua expressão, terá que conquistar uma vontade esquiva e dispersa. Necessita persuadir, comover, abalar, conduzir a força estranha na direção que deseja”.

Esse é o seu papel como orador. Talvez não exista nada mais gratificante do que sentir o poder da palavra atuando em favor de uma causa que vale a pena ser defendida. Aqui você tem um caminho, que talvez seja apenas uma simples centelha de tudo o que poderá buscar para o seu aprimoramento como orador.

E o milagre? Bem, já deve ter ficado claro que em comunicação o milagre é você. Portanto, mãos à obra e comece a se preparar. Esta, e só esta, será a va-rinha de condão com competência de transformá-lo em um ótimo orador. Quanto ao orador que você aplaudiu com entusiasmo, pode ter certeza de que a resposta também está na persistência de uma vida inteira de trabalho e dedicação.

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