< Página Anterior

25 abr 2024

Um amigo de 94 anos

Por Reinaldo Polito*

O dr. Fernando Mauro Pires Rocha me presenteou com um livro muito interessante. Era um livro antigo, mas muito bem conservado, uma primeira edição de A arte de falar em público, escrito pelo professor Silveira Bueno e publicado em 1933. Li e reli esse livro inúmeras vezes.
De vez em quando pegava o livro, folheava vagarosamente suas páginas e pensava como teria sido a vida do professor Silveira Bueno. Quantos anos teria vivido, onde morou, como era sua família, quem teriam sido seus amigos, por que se dedicara à oratória? Como o livro não tinha foto do autor, eu nem sabia como ele era.
Um belo dia, conversando por telefone com um amigo, que também era professor de oratória, Fernandes Soares, comentei sobre essa minha curiosidade. Ele me disse entre surpreso e entusiasmado.
– Polito, isso é muito fácil de ser resolvido, o professor Silveira Bueno está bem velhinho, mas ainda está vivo.
Depois de um longo silêncio e de ter passado o susto eu perguntei ao meu amigo:
– Soares, mas velhinho como? Quantos anos ele tem? Onde ele mora?
E o professor Soares me disse com um sorriso na voz: – O professor Silveira Bueno está com mais de 90 anos e mora ali na Vila Mariana, anote aí o telefone dele. Naquele mesmo dia com o coração acelerado, com bastante receio por não saber como seria recebido, mas também com muita esperança e vontade de conhecê-lo, liguei para ele.
Com voz de uma pessoa idosa, mas demonstrando muita firmeza e segurança, ele me atendeu.
– Pois não, aqui é o professor Silveira Bueno, quem deseja falar comigo?
Em uma frase contei a ele toda a história: – O senhor não me conhece, meu nome é Reinaldo Polito, sou leitor e admirador do seu livro, quem me deu o número do seu telefone foi o professor Fernandes Soares e tenho muita vontade de conhecê-lo.
A resposta soou como uma sinfonia para os meus ouvidos: – Terei muito prazer em recebê-lo na hora que o senhor desejar.
Eu não perdi tempo e disse que se ele não se incomodasse gostaria de visitá-lo ainda naquela mesma tarde.
Fui recebido com um largo sorriso e ele me convidou a entrar e conhecer sua biblioteca. O professor Fernandes Soares havia me contado que o mestre gostava de dizer que sua casa era feita de flores por fora e de livros por dentro. E pude constatar que era verdade, tinha um belíssimo jardim e uma impressionante biblioteca. Conversamos sobre tudo, livros, aulas, imprensa, formas de proteger a biblioteca das traças, oratória do passado e do presente, família, enfim, todos os temas que algumas vezes haviam tomado conta de meus pensamentos enquanto segurava seu livro. Ele havia sido catedrático de filologia na Universidade de São Paulo, educado na Europa, sempre foi muito religioso e se manteve solteiro. Entre suas maiores façanhas está o fato de que foi professor de português do Papa Pio XII. Enquanto me contava que sua experiência como professor de oratória se limitara a apenas duas turmas de alunos, com detalhes me mostrou as revisões que estava fazendo em seus livros. Veja que vitalidade extraordinária, reescrevendo e revisando seus livros aos 93 anos. Ao me retirar ele pediu que eu voltasse no dia seguinte. Assim, visitando com freqüência sua casa convivi com o professor Silveira Bueno até o fim de sua longa e produtiva vida. Agora mesmo, enquanto falo dele com saudade e emoção, estou segurando aquele mesmo livro que nos aproximou.
O livro está intacto, bonito, autografado com sua letra trêmula, mas com evidente personalidade – “Ao batalhador da oratória, senhor Reinaldo Polito, a minha admiração. Professor Silveira Bueno. 12.12.1987.”

O professor Silveira Bueno faleceu pouco depois aos 94 anos. Foi um amigo que marcou minha vida e deixou muita saudade.

Deixe um comentário

AULA DE APRESENTAÇÃO GRATUITA