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30 abr 2024

Atitudes e sentimentos que podem estar além das palavras

por Reinaldo Polito

Falar de um objeto ou de uma idéia concreta, de maneira geral, é mais simples porque pode ser planejado a partir de regras que variam muito pouco. Entretanto, tocar o sentimento dos ouvintes contornando resistências nem sempre tão aparentes exige um pouco mais de reflexão e o cuidado de nos anteciparmos às surpresas de comportamentos que às vezes não são tão previsíveis.
A decisão inteligente de deixar o derrotado com a sensação de que foi vitorioso e compreender por que as pessoas são tomadas pelo sentimento de inveja e como conquistá-las é o objetivo dessas considerações que quero fazer com você.
Prepare-se para algumas surpresas interessantes, pois poderá descobrir que aquele camarada invejoso que você julgava encontrar em lugares distantes talvez esteja aí do seu lado – calma, é só uma oportunidade para pensarmos no assunto, compreendermos um pouco mais esse tema e enfrentá-lo com maior eficiência em nossa comunicação.

Como entender melhor a inveja e enfrentá-la com mais eficiência
Você tem inveja do faxineiro da sua empresa? E do economista que acabou de ganhar o prêmio Nobel pela brilhante teoria que desenvolveu? Provavelmente não.
E com esta resposta não estou defendendo nenhuma tese revolucionária. Há quatro séculos antes de Cristo, Aristóteles, na obra “A arte retórica”, já afirmava que “ninguém tem inveja daqueles que, aos nossos olhos ou aos olhos dos outros, nos são muito inferiores ou muito superiores”. Assim, como o faxineiro da empresa, de acordo com a nossa opinião e das outras pessoas, possui baixa qualificação profissional e status inferior, não haveria motivo para invejá-lo. Da mesma forma, como o economista ganhador do prêmio Nobel possui qualificações tão elevadas, de acordo com a nossa avaliação e das outras pessoas com as quais convivemos, seria praticamente impossível chegar ao seu nível. Por isso, também não o invejamos.
Saber por que as pessoas sentem inveja é o melhor caminho para combatermos e nos livrarmos desse sentimento tão antigo quanto a própria história do homem.
Vamos discutir qual deve ser o nosso comportamento quando notarmos que as nossas atitudes são motivadas pela inveja e como deveremos agir ao percebermos que esse é o sentimento das pessoas com as quais precisamos falar.

Por que sentimos inveja
Todas as análises desse texto terão como base as reflexões de Aristóteles sobre a inveja. E é sempre muito surpreendente verificar que o que esse filósofo afirmou há tantos séculos se adapta perfeitamente aos dias atuais.

“Sentimos inveja dos que nos são iguais por nascença, parentesco, idade, disposição, reputação, bens em geral”.
Sentiu o drama? A inveja não existe naqueles que são diferentes, mas sim nos que são iguais – por isso, se você experimentou algum tipo de progresso profissional, social ou pessoal, saiba que existe uma grande chance de estar sendo invejado por alguém que tenha mais ou menos a sua idade, nascido na mesma localidade e que possua de maneira aproximada o seu nível. Inclua nessa lista também os parentes, pois, se as pessoas são da mesma família, como é que você pode obter êxito e elas não? Provavelmente, dirão, você é muito sortudo – nasceu com o bumbum virado pra lua. Também aqueles que trabalham no mesmo local, ou desenvolvem a mesma atividade, ou convivem no mesmo grupo social, poderão se incomodar muito com seu sucesso. Afinal, estavam ali do ladinho e a sorte teve que sorrir só para um: você.
Quem mais sente inveja?
Pelo jeito, todo mundo. O que estou ganhando a mais com o sucesso que estou tendo não vai dar para comprar os pacotes de sal grosso e de galhos de arruda para espantar essa “catiçada” toda.
Fica firme aí que lá vem mais uma penca de olho gordo.
“Invejamos aqueles que ambicionam os mesmos bens que nós”.
É a explicação pelo ódio que os concorrentes têm um pelo outro. Às vezes nem conhecem bem a qualidade do produto ou do serviço do rival e na primeira oportunidade saem rasgando o verbo, atirando para todo lado, criticando o que nunca viram, isto é, não viram e não gostaram.
Lá em Araraquara, onde nasci e passei toda minha infância e adolescência, quando aparecia um rabo de saia novo, os meninos agiam como se fossem moscas em cima do açúcar. E se um estivesse levando algum tipo de vantagem, recebendo olhares mais interessados por parte da nova moçoila, tinha início a operação “tirar do lance”. Funcionava mais ou menos assim: aqueles que se sentiam preteridos pela menina que estavam desejando, sentiam tanta inveja do felizardo que estava tendo um pouco mais de sucesso, que começavam a criticar a menina:”as pernas são muito finas”, diziam uns; “os cabelos parecem espanador de mecânico”, comentavam outros; “o hálito é pior que uma fossa”, se lamentavam os mais ousados. Tudo para tirar o rapaz do lance. Não me lembro bem se alguém um dia deixou de se interessar por uma menina por causa desses comentários. Provavelmente não, mas isto prova que sentimos inveja daqueles que ambicionam o mesmo bem que nós.
“Invejamos os que facilmente triunfam, quando nós temos dificuldade em triunfar ou fracassamos”.
E não é assim? Um ralou de estudar, perdeu madrugadas e fins de semana, e o outro belo e fofo saiu o tempo todo para a gandaia e, no final, se não tirou nota maior, também não ficou atrás.
Um outro ainda trabalhou, fez testes, submeteu-se a exames de avaliação, desdobrou-se e conseguiu chegar à gerência, e o parceiro, só na base da amizade, sem derramar um pingo de suor, conquistou a mesma promoção. E estou falando de quem consegue, imagine então aquele que depois de tudo ainda fracassa…
“Também invejamos aqueles que possuem ou possuíam as vantagens que deveriam caber-nos ou que um dia obtivemos; daí a inveja que os velhos sentem dos novos”.
Você já ouviu entrevistas de alguém que conquistou títulos esportivos em um passado mais ou menos distante e agora é convidado para falar do garoto que atingiu a mesma marca ou a superou. Quase todos se derretem em elogios para o novo fenômeno esportivo, mas, por mais que procurem disfarçar, deixam transparecer, pela inflexão de voz, pelo olhar ou por uma ou outra expressão menos feliz, a inveja que estão sentindo. Você está achando meio exagerado? Lembre-se de que estes conceitos são de Aristóteles, e estamos falando de sentimentos verdadeiros, não de aparências.
“Todos aqueles que conseguiram um objetivo são invejados por aqueles que não o alcançaram ou falharam”.
É mais ou menos óbvio este conceito: um passa no vestibular, o outro não; um consegue ir para o exterior estudar, o outro não; um consegue ser admitido para trabalhar na grande multinacional com todas as chances de crescimento profissional, o outro não recebe nem resposta para as dezenas de currículos que mandou.
Na hora em que o que não conseguiu estiver sozinho, corre o risco de passar a morder o pé da mesa.

Como falar com pessoas invejosas
Fique esperto nas suas apresentações, porque, no momento em que estiver na frente do grupo, ficará em posição de destaque diante dos demais e precisará saber como deverá agir para afastar este sentimento hostil. Uma vez assisti a uma palestra do jornalista Armando Nogueira, no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo. Ele havia acabado de sair da TV Globo, onde tinha sido o todo poderoso do jornalismo durante anos. Em tom de desabafo, contou que sua posição gerava muita inveja nas pessoas. Tanto que arrumara uma úlcera de plantão – sempre que alguém chegava com aquele olhar de seca pimenteira começava a falar da úlcera que o incomodava. Foi a forma que ele encontrou para se defender da inveja.
Mas esse tipo de ouvinte é muito difícil de ser conquistado, pois quase sempre fica refratário a todo tipo de argumento.
O recurso mais eficiente para combater a resistência é o elogio. E se existe um momento em que o elogio deverá parecer honesto e verdadeiro é este. Qualquer demonstração de que o comportamento do orador é demagógico poderá aumentar ainda mais a resistência da platéia.
Entretanto, quando o ouvinte recebe o elogio diante do público e sente sinceridade nas palavras do orador, começa a afastar seu sentimento de inveja e passa a participar mais daquela causa.

Uma saída honrosa
Deixe uma saída honrosa para que o adversário vencido não se transforme em inimigo.
Alguém poderia pensar: “Que nada, sem essa de saída honrosa para perdedores, para mim inimigo bom é inimigo morto.”
Só que eu não estou falando de inimigo, ao contrário, a proposta é exatamente evitar que um adversário de momento acabe se transformando em um inimigo de sempre.
Por circunstâncias de ocasião, uma pessoa poderá defender posições distintas das que possuímos, mas, se agirmos de maneira correta, as divergências ficarão restritas àquele instante. Terminada a contenda, cada um sacode a poeira, continua de pé e segue a sua trilha sem ressentimentos.
Se não nos comportarmos com prudência e sabedoria, a disputa que deveria ter começo, meio e fim, naquela discussão, sai de controle e se transforma em uma batalha sem previsão de bandeira branca.
Quando nos empenhamos na defesa de uma idéia ou de uma posição, devemos ficar atentos aos sinais de fraqueza do adversário e, se pressentirmos que ele não terá mais saída, será uma grande demonstração de inteligência não o deixar agonizando até que fique evidente que foi totalmente destruído. Esse é o momento de deixar uma saída honrosa para ele, permitindo que deixe o ringue de cabeça erguida, podendo encarar a todos e principalmente a si próprio com altivez e dignidade.
Se conseguirmos essa proeza, o adversário não guardará ressentimentos e poderá, no futuro, em outras circunstâncias, se transformar num aliado.
Para que possamos compreender melhor a importância dessa atitude, basta pensar no cliente que foi vencido pela força de nossa argumentação, mas que, por ter encontrado uma saída honrosa, não se sente derrotado e volta a nos procurar em outras oportunidades. Que vantagem Maria leva se o cliente sucumbe diante dos argumentos e por isso se sente tão humilhado que ou não compra o produto ou compra e nunca mais retorna?

O seu Luiz é um mestre na arte de deixar o derrotado vencer
Visitar a Livraria Ornabi, na Rua Benjamin Constant, no centro velho de São Paulo, é um dos meus passeios prediletos. É um sebo muito bem montado com mais de 300 mil livros sobre praticamente todos os assuntos. Por isso uma boa visita requer sempre um pouco mais de tempo. É preciso calma e tranqüilidade para garimpar as velhas e atraentes preciosidades escondidas nas dezenas de estantes organizadas nos diversos andares do casarão. Precisamos dedicar um tempo também para uma conversa com o seu Luiz, o dono da livraria. Seu Luiz tem quase 60 anos – de balcão de livraria -, sabe tudo sobre livros, edições, autores e sempre tem curiosas informações sobre as obras que comercializa.
E, se por acaso encontrarmos alguma preciosidade nessas andanças pelas prateleiras, precisamos ter tranqüilidade para não demonstrar ao seu Luiz o nosso entusiasmo. Sim, porque com quase 60 anos comprando e vendendo livros, esse simpático português aprendeu a determinar o preço da obra pela reação do comprador.
Eu mesmo já fui vítima da sua habilidade. Há alguns anos havia comprado uma 5a edição da obra Eloqüência Nacional, de Francisco Freire de Carvalho, publicada em 1856. O exemplar estava meio comidinho pelos bichos, mas eu tinha o maior orgulho daquela relíquia. Coloquei-o em destaque na estante da sala de visitas da minha casa e para todas as pessoas que me visitavam eu mostrava aquele troféu.
Um belo dia, em uma das visitas à Ornabi, encontrei uma primeira edição intacta dessa mesma obra, publicada em 1834. Tremi por dentro de emoção – e, ao levantar a cabeça, gelei por fora, pois deparei com o seu Luiz olhando por cima dos óculos, com sorriso de Mona Lisa e fazendo aquela carinha de semana faturada. E aí “este grande mestre da comunicação” tentou ser mais esperto do que aquele senhor que desenvolve sua atividade profissional há quase 60 anos.
Como recomenda a boa cartilha do comprador, comecei desdenhando o produto.
— Engraçado, eu tenho um livro igualzinho a esse. Estava até pensando em comprá-lo e dar de presente para um amigo, mas estou achando essa idéia uma grande besteira. Vou mesmo é dar um best-seller que está na lista dos mais vendidos, pois tenho certeza de que ele irá gostar mais.
É lógico que o seu Luiz já tinha percebido todo o teatro e me disse com autoridade:
— Professor, o senhor está enganado – o livro que o senhor comprou não é igual a este. Aquele é uma 5a edição e me lembro muito bem porque ele estava comido pelos bichos e na época fiz um ótimo desconto. Ele me colocou numa verdadeira sinuca de bico, mas eu jamais jogaria a toalha com facilidade. Assim, argumentei:
— O senhor trabalha com livros há tantos anos e vai entender bem o que sinto por essa obra. O exemplar já está comigo há muito tempo e quem gosta de livro desenvolve um grande apego a eles. O senhor venderia algumas dessas obras de sua coleção particular?
— Não.
— Então, seu Luiz, esse é o meu caso. Se fosse para comprar, seria para dar para o meu amigo – e, sempre no condicional, perguntei como se não quisesse nada: – Se eu fosse comprar, quanto pagaria?
E ele, sem mover um músculo de preocupação, respondeu:
— Novecentos.
— O quê?! – exclamei com perplexidade. Novecentos por um livro?! O senhor deve estar brincando, eu jamais compraria um livro por esse preço.
O seu Luiz sabia que era tudo encenação e que o comprador daquele livro estava ali na sua frente.
— Professor, decida com calma. O senhor é um homem culto, bem preparado, sabe valorizar uma obra e jamais deixaria escapar uma oportunidade como esta. Dê a sua 5a edição para o seu amigo, que ficará muito bem servido e se sentirá feliz com o presente, e fique o senhor com essa primeira edição que tem a sua cara. Olha, professor, vou deixar o livro guardado e não venderei para ninguém. Sei que não deixará escapar essa oportunidade.
Lógico que ele não venderia para ninguém. Com a sua experiência, sabia que já tinha encontrado o comprador daquele exemplar.
Saí da livraria com a pulga atrás da orelha: e se aparecesse um maluco e levasse aquele livro? Eu não me perdoaria.
Menos de uma semana depois, eu estava de volta à livraria.
E o seu Luiz não tripudia. Age sem constranger ninguém:
— Olá professor, foi muito bom o senhor ter voltado. Ontem mesmo eu estava conversando com minha filha a seu respeito. Perguntei-lhe: — Filha, você se lembra do Professor Polito? E ela me respondeu: — Lógico que me lembro, pai. Ele é nosso cliente há mais de 20 anos, já o atendi diversas vezes. — Então me diga, filha, alguma vez ele reclamou com você do preço de um livro? E ela foi taxativa: — De jeito nenhum, pai, ele é um cliente que conhece livro e sabe valorizar uma obra. — Pois aí é que está o problema, filha. Para o Professor Polito reclamar do preço de um livro como a primeira edição da Eloqüência Nacional, algo de errado deve estar ocorrendo com o mercado. Vou fazer o seguinte: quando ele voltar à livraria proporei um negocinho especial em consideração aos longos anos de relacionamento que possuímos. Vou dividir em três chequinhos de 300 e deixar que ele leve o livro.
Pronto, em seguida já estava fazendo os três cheques e feliz da vida com a compra.
A lição que podemos tirar dessa história é que o seu Luiz, com toda sua experiência, sabia que eu era o comprador daquele livro, mas mesmo assim fez de conta que estava abrindo uma exceção para que o meu orgulho não fosse agredido.
Naquele dia aquela derrota me pareceu uma agradável vitória.

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