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01 maio 2024

Falando sem sobressaltos

por Reinaldo Polito

Não basta apenas saber falar bem, acima de tudo é preciso aprender a se comportar de maneira correta diante das situações mais delicadas.

Eu estava iniciando um curso para os alunos da ECA-USP que se formavam em Relações Públicas. Um garoto novinho, como os demais colegas do grupo, de rosto sardento, cabelos ruivos espetados, com jeito de quem acordara e não se penteou, magrinho, tipo desengonçado, estava sentado na primeira carteira demonstrando total desinteresse pela aula. Ele analisava e se distraía fazendo malabarismos com um lápis colorido de onde pendia um bonequinho preso por um fino cordel. Girava o objeto entre os dedos e aproveitava para coçar o queixo, a orelha e outras partes do corpo localizadas mais abaixo da linha do equador. Pensei cá comigo: “Eu sei que não vai dar certo. Esse não está acompanhando uma vírgula do que estou falando e talvez até me dê trabalho na aula”. Por todo esse relato detalhado que acabo de fazer acho que você deduziu que eu também já estava me distraindo com a história do bendito lápis. Por isso, decidi deixar de lado a figura com seu brinquedinho e me concentrar na aula.

Lá pelas tantas, para minha surpresa e quase perplexidade, depois que levantei uma reflexão sobre um aspecto mais complexo da matéria que eu estava tratando, o garoto do lápis começou a fazer considerações a respeito da questão e usou como apoio para sua argumentação todos os comentários relevantes que eu havia destacado desde o início da aula. Em seguida, com aquela carinha de quem continuava alheio, voltou ao malabarismo e a se coçar com o lápis.
Contei essa história para alertá-lo de que as considerações que farei neste texto sobre as características e o comportamento dos ouvintes ajudam a ajustar e redirecionar a linha da nossa apresentação diante do público, mas que é preciso também tomar cuidado com as falsas impressões, pois por mais experientes que sejamos nunca estaremos imunes a essas armadilhas.

Dois opostos perigosos

Há dois tipos de ouvintes muito perigosos. O hostil, com cara fechada, que fica balançando negativamente a cabeça para demonstrar de forma ostensiva que não concorda conosco. O outro, bem ao contrário, bonzinho, receptivo, sempre com o semblante iluminado por um sorriso amigo, dando a entender o tempo todo que não só acompanha o nosso raciocínio, mas que também concorda com todas as nossas afirmações. Cuidado! Os dois são perigosos. O hostil porque nos perturba e tira nossa concentração, e, o que é pior, nos obriga a ficar olhando em sua direção com a esperança de que ele mude de idéia e comece a concordar conosco. Por isso, acabamos por esquecer das outras pessoas que estão na platéia, provavelmente até muito mais interessadas na mensagem que transmitimos.
O bonzinho se torna em determinadas circunstâncias até mais perigoso do que o hostil. Como normalmente nos sentimos desconfortáveis quando estamos falando diante de um grupo, somos tentados a nos escravizar ao semblante simpático daquele que o tempo todo concorda com as nossas opiniões e até nos estimula a prosseguir com a mesma linha de pensamento. E se só olharmos para ele, também neste caso, deixamos de considerar as outras pessoas.
Não imagine que contornar essas situações seja muito simples, pois não é fácil ignorar uma pessoa na platéia que faz questão de expressar sua contrariedade, e muito menos deixar de saborear o retorno positivo de um ouvinte que nos informa pelo seu comportamento interessado que a nossa comunicação está ótima. Entretanto, se você não fugir dessa arapuca, estará correndo um grande risco de comprometer o resultado da apresentação.

A concorrência

Imagine a cena: você está no meio de uma apresentação transmitindo uma parte importante da mensagem e entra pela porta da frente, bem ao seu lado, uma mulher bonita, com saia curtinha, pernas longas e torneadas, decote generoso, toda sorridente, e caminha rebolando aquele monumento na frente da platéia. Não importa o nível de concentração que você havia conquistado do público, pois diante desta cena a atenção dos ouvintes estará voltada, como reza a cartilha do bom anfitrião, para a ilustre visitante.
Nas situações em que os fatos do ambiente concorrem com sua apresentação e desviam o interesse da platéia, praticamente tudo o que você disser será perdido. Nessas circunstâncias a melhor atitude é se juntar ao grupo e prestar atenção à novidade, sem demonstrar contrariedade, até que as pessoas tenham condições de se concentrar nas suas palavras.
No caso da mulheraça que descrevi há pouco seria conveniente cumprimentá-la e até, se fosse possível, indicar um lugar para que ela se sentasse. Como sou um homem cercado de mulheres, mãe, esposa, três filhas, a pergunta que me fizeram foi esta: “Professor Polito (é assim que me chamam quando querem discordar ou me criticar), você não acha que esse exemplo é muito machista?” Eu respondi com outra pergunta: “Se vocês estivessem na platéia, essa cena chamaria sua atenção?” Como uma olhou para a outra à procura de novos argumentos, entendi como sendo resposta afirmativa e por isso decidi conservar o exemplo. Mas, se você quiser, poderá substituí-lo por outro, como o clássico do garçom que deixa cair a bandeja.
Às vezes a concorrência surge a partir de um fato. Eu estava ministrando uma palestra em Brasília para os executivos de uma grande instituição financeira e, de repente, por uma dessas surpresas que nenhum técnico de som consegue explicar, o canal que ligava o meu microfone foi cortado e a minha voz substituída por músicas e diálogos de um desenho animado. A platéia ficou meio assustada e sem saber como reagir. Eu não tive dúvida, fiz exatamente o que os ouvintes gostariam de fazer: soltei uma gostosa gargalhada, que foi acompanhada por todos. Se tentasse continuar falando nessa circunstância seria um desastre. Juntar-me ao grupo até contribuiu para que me aproximasse ainda mais do público.
Há situações em que a própria pessoa faz questão de chamar a atenção para a sua presença e age no sentido de vencer a concorrência com o palestrante. São, por exemplo, as chegadas dos políticos no ambiente em que se realiza a apresentação. De maneira geral, o político só comparece ao evento para ser visto e faz de tudo para atingir seu objetivo, especialmente se for em período eleitoral. Pára no meio do corredor, onde possa ficar bem exposto, e faz sinal para que o palestrante continue a falar, como se não quisesse atrapalhar, mas de maneira que todos possam vê-lo; cumprimenta o “amigo”, que nem conhece muito bem, que está lá no meio da platéia e vai na direção dele para dar um abraço sonoro, aquele com tapas nas costas que se assemelha aos golpes de luta-livre; olha para trás e mostra aos seus acompanhantes onde deverão se postar. Enfim, consegue fazer com que todos o vejam, e, se bobear, ser notado até por aqueles que estão em outra sala participando de eventos diferentes.
Não tem jeito, nem pense em concorrer com a presença de um político disposto a aparecer. O melhor é se render ao espalhafato do visitante e ajudá-lo para que alcance o seu intento, pois assim você poderá retomar mais depressa o controle da apresentação. Se julgar que o comentário não compromete sua causa ou reputação, faça referência à presença dele e diga, por exemplo: “É com prazer que anunciamos a chegada do excelentíssimo deputado Aparecido Penetra”. Aí sim, serenados os ânimos, saciado o interesse do visitante, acalmado o burburinho, a vida pode voltar ao normal e a apresentação retornar ao seu curso natural. Mas, cuidado para você como palestrante não tomar a iniciativa de chamar a atenção de um fato que os ouvintes nem notariam. Se uma pessoa entrar pelo fundo da sala, pela porta de trás, sem que ninguém perceba, e o palestrante olhar sorrindo ostensivamente para a visitante, dá o exemplo, ou melhor, neste caso, o mau exemplo, pois todos olharão para trás querendo saber quem acabou de chegar. Por causa dessa atitude pode ocorrer uma quebra no ritmo da apresentação e até se romper a linha de comunicação com o público.
Portanto, a regra boa é esta: quando a pessoa ou fato concorre com você e desvia a atenção da platéia, pare de falar até que os ouvintes possam acompanhar novamente sua apresentação. Quando a pessoa ou o fato não concorre com você e, por isso, não desvia o interesse dos ouvintes, continue falando normalmente, como se nada estivesse ocorrendo.

Fogo no rabo

A expressão parece meio vulgar, mas se a minha avó, que era uma santa de mulher, já usava essa frase para identificar as pessoas que não paravam no lugar, por que eu, que perto dela posso ser visto com um tridente na mão e num cenário de labaredas, não ousaria usar? Por essa explicação você já percebeu que ouvinte com fogo no rabo é aquele que dá a impressão de que a cadeira está sempre queimando seu traseiro e por isso sai de um lugar e vai para o outro, sai da sala e volta, torna a sair e retorna.
Minha sugestão é que não dê muita importância a esse tipo de importunador. Ele chama a atenção dos ouvintes na primeira ou segunda vez em que se levanta, mas depois as pessoas se acostumam, esse movimento deixa de ser novidade e ninguém mais se importa com as idas e vindas dele. Mesmo que você venha a se incomodar, o que poderia fazer? Parar a cada entrada e saída seria ainda pior. Também não é um caso tão comum, mas de vez em quando aparece alguém deixando aquele rastro de fumaça, identificando um legítimo ouvinte que tem fogo no rabo.

O contestador

Já não se fazem ouvintes como antigamente. Sabe, aqueles ouvintes atentos, quietinhos, que não se manifestam para discordar. E não estou dizendo que o fato seja ruim, mas sim querendo alertar para que nos adaptemos a essa nova realidade. Hoje, se um ouvinte não concorda com o ponto de vista do palestrante, ou se sente contrariado pela mensagem que ouviu, haverá boa chance de que demonstre seu descontentamento. Levanta o braço sem cerimônias e manifesta sua posição.
Quando estamos falando na frente de um grupo, se por um lado nos sentimos com poderes adicionais por estarmos de posse da palavra, por outro também nos sentimos vulneráveis pelo natural desconforto de falarmos diante do público. Assim, ao sermos contestados, a tendência é reagir emocionalmente para nos defender e, por isso, podemos perder a tranqüilidade e prejudicar a apresentação. Em situações mais graves nem esperamos o ouvinte concluir suas observações e já começamos a nos defender ao mesmo tempo em que preparamos o revide. Essa seria a pior de todas as atitudes. Além de prejudicar e até destruir a apresentação, você não o convencerá e ainda poderá conquistar a antipatia do público. Aja com diplomacia. Procure descobrir alguma maneira de começar concordando com ele, mas sem demonstrar que age assim para depois poder discordar, pois ao notar esse artifício o ouvinte poderá ficar ainda mais agressivo. Ao perceber que você está indo ao encontro das idéias dele e concordando com as opiniões que acabou de externar o ouvinte talvez se desarme e queira ouvi-lo. Esse comportamento não poderá, entretanto, ser confundido com uma postura covarde, de alguém que foge do confronto por medo. Por isso, ao agir nessa direção mantenha sempre a firmeza de princípios e a integridade do caráter e demonstre que o fato de alguém discordar da sua opinião não o transforma necessariamente em adversário ou inimigo, mas sim em uma pessoa que está interessada em debater idéias.
Esse posicionamento firme e ao mesmo tempo flexível e conciliador conquistará a admiração dos ouvintes e projetará sua imagem de maneira positiva e muito favorável. Não é simples agir com serenidade e ponderação nessas circunstâncias, pois o sangue ferve e a vontade é mostrar diante de todos que o ouvinte está errado. Por isso, para agir com calma e inteligência estabeleça essa atitude como uma das suas metas de vida e pratique sempre que puder. Você descobrirá que o prazer de agir de forma equilibrada e inteligente é infinitamente mais saboroso do que o revide intempestivo. Irá perceber que este, nas raras vezes em que dá resultado, proporciona satisfação efêmera, enquanto que aquele, por ser fruto do raciocínio e de uma ação consciente, reservará para sempre a alegria de poder se portar com sensatez diante das situações mais desafiadoras.

O dorminhoco

É desagradável estar falando e ter um ouvinte bem ali na nossa frente dormindo, e às vezes até roncando. A nossa primeira sensação é a de que não conseguimos conquistar o interesse da platéia. Depois, ao constatarmos que só um ou dois estão dormindo, concluímos que não tivemos nenhuma culpa e que o motivo do sono está muito além da nossa palestra. Ele pode ter tido uma noite mal dormida, ou, quem sabe, até muito bem acordada. Se só você e mais os dois que estão ao lado dele perceberam a cena, vá em frente sem se incomodar.
Agora, se outros ouvintes começarem a olhar na direção do dorminhoco, desviando o interesse deles da sua apresentação, encontre alguma maneira de acordá-lo, ou pelo menos de deixá-lo em condições de não chamar a atenção das outras pessoas. Uma boa saída é chegar bem perto dele, fazer uma pausa mais longa e voltar a falar bem alto. Essa atitude funciona como espécie de despertador e geralmente dá ótimos resultados. Outra solução boa é passar a fazer perguntas àqueles que estão nas imediações de quem dorme até que ele perceba que está correndo o risco de ser o próximo a responder uma pergunta. Talvez assim ele fique esperto e espante o sono.

Prepare-se para falar bem, mas esteja pronto também para enfrentar as dificuldades e surpresas que as apresentações reservam para quem se apresenta em público. Vimos alguns dos inúmeros comportamentos que os ouvintes podem apresentar e as saídas para contornar essas situações difíceis. A partir desses exemplos, comece a se preparar para enfrentar outros momentos que talvez sejam até muito mais difíceis, mas com a certeza de que sempre existirá uma boa saída.

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